São Paulo, sábado, 21 de abril de 2007

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Triste Oriente

O Nobel Orhan Pamuk retrata sua cidade-natal, Istambul, a partir do sentimento de melancolia que considera parecido ao retratado por Claude-Lévi-Strauss em "Tristes Trópicos"

Divulgação
Pamuk, em uma de suas atividades favoritas na adolescência: contar os navios que passam pelo estreito de Bósforo, em Istambul


SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

"Istambul" é um livro cheio de "hüzün". É a partir desse termo que, em turco, significa melancolia, que o atual Nobel de Literatura, Orhan Pamuk, 54, construiu essa espécie de autobiografia ensaística, uma de suas obras mais elogiadas, que acaba de ser publicada aqui.
Trata-se de um retrato da cidade natal do autor a partir de suas memórias de infância e de uma análise filosófica do "hüzün", ampliado para definir um sentimento coletivo de pesar.
Este seria compartilhado por todos os habitantes de Istambul, por conviverem nas ruas, todos os dias, com ruínas que lembram ter sido esta a capital de grandes impérios no passado, o Bizantino e o Otomano.
A curiosidade, pelo menos para nós, é que Pamuk relaciona esse "hüzün" turco à melancolia retratada por Claude Lévi-Strauss no clássico "Tristes Trópicos" (1955). A semelhança estaria, principalmente, no fato de que a distância com relação aos grandes centros do Ocidente ajudaria a definir um humor coletivo da sociedade.
"Tristes Trópicos" é, para mim, mais do que um texto antropológico, uma grande obra literária inspiradora. Me ajudou a ver, por exemplo, a melancolia como algo comunitário, que uma determinada sociedade pode compartilhar, em São Paulo, Déli ou Istambul", disse o autor, em entrevista à Folha, por telefone.
Em "Istambul", Pamuk recorre a referências de vários viajantes ocidentais para explicar como a imagem da Turquia se concretizou -não só no exterior mas também no próprio país. Escritores, como os franceses Gustave Flaubert e Gérard de Nerval, o arquiteto Le Corbusier e pintores europeus românticos o ajudam, então, a montar o retrato da cidade.
"Nós, turcos, temos de parar de olhar para essas representações ocidentais, que temos como "exóticas", procurando os erros. Temos de atentar para o que essas imagens dizem sobre o que permanece em nossa cultura. Quando estive no Brasil [para a Flip de 2005], vi pinturas de viajantes europeus que eram exageradas, mas que tinham muito do que realmente é o Brasil", disse.

Oriente e Ocidente
O lugar da Turquia no mundo hoje, em seu histórico dilema entre tornar-se européia ou voltar-se definitivamente para o Oriente, é o tema mais recorrente na obra de Pamuk.
Em "Istambul" fica evidente seu entusiasmo pela ocidentalização, mas ao mesmo tempo o fascínio que sente por conta dessa "dupla personalidade" e da materialidade das lembranças de seu passado glorioso, exposta nas estruturas das velhas casas da elite otomana, hoje transformadas em edifícios públicos ou nas fachadas luxuosas à beira do Bósforo.
"O processo de europeização da Turquia está progredindo, com altos e baixos. Hoje o clima no país é de tensão. Mas acho que o caminho na direção do Ocidente é inevitável", avalia.
Ironicamente, ao mesmo tempo em que defende esse movimento, Pamuk também fala com certo desgosto sobre como a rua onde nasceu está diferente. "Vivia numa imensa casa, com toda minha família; hoje, ela está dividida em apartamentos menores. Há muito turismo e lojas de marcas globalizadas na vizinhança."
Depois de levar o Nobel, o escritor passou a procurar, no Ocidente, a tranqüilidade que perdeu na Turquia nos últimos anos. Dividindo o tempo entre Europa e EUA, o escritor quer deixar a poeira baixar com relação ao último desgaste político pelo qual passou em seu país.
Em 2005, havia sido levado às cortes para responder a uma acusação de ter insultado a "nacionalidade turca". A polêmica se iniciara quando Pamuk, em entrevista a um jornal suíço, dissera que "1 milhão de armênios e 30 mil curdos foram mortos na Turquia, e eu sou o único que ousa dizer isso".
O autor se referia ao massacre dos armênios, entre os anos de 1915 e 1917, e dos curdos, nos anos 90. O primeiro, principalmente, é um assunto tabu no país, cuja versão oficial nega que tenha realmente ocorrido.
Pamuk foi inocentado, mas o incidente teve repercussões políticas internacionais. Quando o Nobel lhe foi conferido, muitos viram nesse gesto da academia sueca uma sinalização da Europa a favor das declarações do escritor. De recordações do Brasil, Pamuk lembra que se divertiu e que seus colegas de Paraty passaram o evento todo bêbados.
E, também, que foi essa uma ocasião para se lembrar de seus grandes heróis futebolísticos brasileiros: os jogadores Didi, Vavá e Pelé.

ISTAMBUL
Lançamento:
Companhia das Letras
Autor: Orhan Pamuk
Preço: R$ 48 (408 págs.)


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