São Paulo, sábado, 21 de abril de 2007

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MANUEL DA COSTA PINTO

Um mestre da invenção

"As Águas Glaucas" recupera importância de Pedro Xisto como companheiro de viagem da poesia concreta

QUANDO A poesia concreta surgiu, nos anos 50, seus idealizadores (Décio Pignatari e os irmãos Augusto e Haroldo de Campos) difundiram uma tipologia criada por Ezra Pound para avaliar o grau de inovação do trabalho literário.
Segundo o autor do "ABC da Literatura", existem os "inventores" (que descobrem novos processos), os "mestres" (que os aperfeiçoam) e os "diluidores" (que os seguem sem nada acrescentar), entre outras categorias dos que estão mais para escreventes do que para escritores.
Talvez a nomenclatura de Pound tenha, ela mesma, se diluído -mas continua valendo para a seara concretista, como mostra o lançamento de "As Águas Glaucas", de Pedro Xisto (1901-1987). Nascido em Limoeiro, Xisto foi companheiro de viagem do movimento desde a primeira hora. A rigor, as afinidades eram anteriores: já em 1949, o poeta pernambucano publicava seus primeiros haicais -gênero japonês cuja economia formal foi referência para os concretos.
Essa identificação com a cultura oriental seria reforçada por sua atuação como adido cultural no Japão, materializando-se com o lançamento, em 1960, de "Haikais & Concretos". Na falta de "Caminho", livro-objeto publicado em 1979 pela mesma editora de "As Águas Glaucas", este pequeno volume cumpre a função de restaurar a importância de Xisto.
Estão aqui diversos poemas que podem alçá-lo à condição de "mestre" na concreção poética, rivalizando em importância com as melhores realizações de Pignatari e dos Campos. Seria impossível reproduzir em texto linear, por exemplo, o efeito de "Infinito", em que a supressão e a inversão especular das letras dessa palavra criam um movimento helicoidal, dando forma visual a seu conteúdo semântico.
Mesmo assim, vale citar duas criações em que a operação com o significante pode prescindir da espacialidade. No poema "penso: logo eis isto/ penso: logo ex-isto", o escritor remete à célebre frase de Descartes -"penso, logo existo"- e decupa o sentido etimológico de "existir" como "sair de" ou "nascer de", sugerindo um irônico jogo sígnico do qual seu próprio nome se desprega.
E, em "Cante Jondo a Palo Seco", empreende repetições de uma mesma célula ("canto fundo destes mundos", "canto na eira e na feira", "canto de couro sem coro") para finalizar com "canto concreto com credo", resumindo um programa estético que recapitula a música sem música de João Cabral e inclui Affonso Ávila (recriador de células lingüísticas extraídas da fala popular).
"As Águas Glaucas" traz uns poucos exemplos de seus "logogramas", como o famoso "ZEN" (um ideograma geométrico) ou "Encontro das Águas" (sinuosa representação, estampada na capa do livro, da confluência dos rios Negro e Solimões), em que Xisto explorou a interação entre palavra e design para tornar-se, também ele, um inventor.


AS ÁGUAS GLAUCAS
Autor:
Pedro Xisto
Editora: Berlendis & Vertecchia
Quanto: R$ 34 (80 págs.)
Avaliação: regular


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