São Paulo, sábado, 21 de abril de 2007

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Crítica/estudo

Nassif discute limites do crescimento

Em "Os Cabeças-de-Planilha", jornalista compara Gustavo Franco a Rui Barbosa e aponta caráter predatório de elites econômicas

MARCOS ANTONIO CINTRA
DA EQUIPE DE EDITORIALISTAS

Em linguagem simples e acessível, Nassif oferece ao leitor um amplo panorama do desenvolvimento econômico e social do capitalismo, desde os primórdios da indústria têxtil, sob a liderança inglesa, até a dinâmica da globalização financeira e produtiva sob a hegemonia dos EUA.
Nesse percurso, mostra que o crescimento econômico acelerado e a redução do atraso relativo entre as nações nada têm de automático ou de natural.
Os Estados nacionais que lograram construir economias mais modernas e sociedades mais democráticas adotaram estratégias internas de desenvolvimento. Criaram mecanismos domésticos de financiamento, estimularam a inovação tecnológica, reorganizaram a política de comércio exterior, viabilizaram investimentos em infra-estrutura, racionalizaram os tributos e promoveram a inclusão social. Dessa forma, recoloca em debate as contradições e os limites do desenvolvimento econômico e da industrialização brasileira.

Desfaçatez das elites
Gostaria nos limites dessa resenha de destacar duas discussões enfrentadas com muita coragem pelo autor. Em primeiro lugar, Nassif explicita de forma contundente o caráter predatório das elites econômicas nacionais. Desde "Machado de Assis: Um Mestre na Periferia do Capitalismo" (ed. 34), de Roberto Schwarz, não aparecia uma pesquisa tão ampla sobre a desfaçatez das nossas elites, inclusive das pensantes.
Nassif compara as políticas e o enriquecimento meteórico do ministro da Fazenda, Rui Barbosa, durante o governo provisório logo após a Proclamação da República (1889-1891), e dos membros da equipe econômica do Plano Real, Gustavo Franco, André Lara Resende, Pérsio Arida, Edmar Bacha, Winston Fritsch, Pedro Malan etc.
O seu ponto de partida é a dissertação de mestrado de Gustavo Franco sobre o Encilhamento, o processo especulativo ocorrido na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro nos primeiros anos da República Velha, fomentado pela expansão monetária promovida pela Reforma Bancária de Rui Barbosa.
Nesse trabalho, publicado em 1983, Franco defende a hipótese de que o malogro da política do ministro da Fazenda decorria da ausência de um Banco Central, que blindasse as operações internas das oscilações provocadas pela libra, com a quebra do Banco Baring na Argentina.

Transferência de riqueza
Como diretor de assuntos internacionais do Banco Central, 11 anos depois, Gustavo Franco promoveu uma valorização desmedida do real e favoreceu o enriquecimento de amigos que operavam "vendidos em dólar". Atuou exatamente como Rui Barbosa, que havia facilitado a transferência de riqueza e de poder aos seus aliados, sobretudo ao banqueiro Francisco de Paula Mayrink. "Quando saiu do Ministério, Rui já era um homem rico, participando de três empresas criadas no Encilhamento. Ainda se tornou presidente da Estrada de Ferro Goiás e Mato Grosso e do Banco Impulsor. Entre fevereiro e maio de 1891, em plena agonia do Encilhamento, o banco patrocinou cinco novos lançamentos no mercado." Como é sabido, os membros da equipe econômica do Plano Real se transformaram em banqueiros e/ou assumiram cargos diretivos no sistema financeiro doméstico. Para o autor, "o discípulo superara o mestre".
A revelação nua e crua do Plano Real, como instrumento de acumulação de riqueza privada por um grupo privilegiado, evidencia, mais uma vez, a ausência de um projeto de desenvolvimento para o país. As decisões, aparentemente universais, mascaram os interesses de poucos. Isso nos leva ao segundo ponto. A decisão de aprofundar a integração financeira doméstica com o mercado de capitais internacional, mediante a entrada de investidores na Bovespa, na BM&F, nas captações externas de empresas e bancos, e na internacionalização da riqueza financeira dos endinheirados tupiniquins.
Aposta-se que essa inserção financeira crescente fará a tão desejada convergência das taxas de juros domésticas com as internacionais, desencadeando um longo ciclo de crescimento econômico.
Até onde a vista alcança, o cosmopolitismo das elites globalizadas promoverá uma farra nos mercados de ações, derivativos, moedas, imóveis, e uma expansão na produção e nas exportações de commodities agrícolas, metálicas e industriais. Nassif sugere, então, como têm mostrado outros pesquisadores, entre eles o professor Carlos Medeiros, da UFRJ, que a dinâmica desse "capitalismo dependente e associado" se aproxima da predominante nos anos 20, integrado aos mercados de capitais e às correntes de comércio. Como naquele momento, porém, o país perde capacidade de implementar de forma autônoma as políticas monetária, cambial e fiscal.
As decisões de política econômica e social, que contrariem os interesses dos mercados financeiros, podem desencadear fugas de capitais. As turbulências externas, que elevam a aversão ao risco, podem resultar em saídas dos capitais especulativos. Os preços das commodities ficam sujeitos às oscilações dos mercados financeiros e da economia internacional. A dinâmica doméstica fica condicionada pela externa. Trata-se, portanto, de uma aposta de alto risco e que beneficia a poucos. Os setores favorecidos possuem baixa propensão ao emprego. O povo não cabe no modelo.

Crescimento econômico
Como unir as elites nativas, as empresas transnacionais e a "malta" numa "vontade coletiva", que restaure o crescimento econômico acelerado e a mobilidade social ascendente, passando pela democratização da terra, da renda, da riqueza, do sistema de educação e de saúde? Como recuperar os núcleos estratégicos do Estado brasileiro, fortalecendo-os para antecipar acontecimentos e sustentar iniciativas de longo prazo? No último capítulo, Nassif delineia uma proposta.
Em uma próxima edição, a fim de aperfeiçoar o livro, sugiro maior rigor com as fontes bibliográficas -vários trabalhos citados no corpo do texto não aparecem nas referências e inúmeros dados são apresentados sem as respectivas fontes. Sugiro ainda corrigir a caracterização da ordem econômica do século 19 como "semifeudal" (pág. 75). A própria discussão realizada pelo autor desfigura essa imagem. Boa leitura!


OS CABEÇAS-DE-PLANILHA
Autor:
Luís Nassif
Editora: Ediouro
Quanto: R$ 39,90 (320 págs.)
Avaliação: ótimo


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