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Crítica/estudo
Nassif discute limites do crescimento
Em "Os Cabeças-de-Planilha", jornalista compara Gustavo Franco a Rui Barbosa e aponta caráter predatório de elites econômicas
MARCOS ANTONIO CINTRA
DA EQUIPE DE EDITORIALISTAS
Em linguagem simples e
acessível, Nassif oferece ao leitor um amplo
panorama do desenvolvimento
econômico e social do capitalismo, desde os primórdios da indústria têxtil, sob a liderança
inglesa, até a dinâmica da globalização financeira e produtiva sob a hegemonia dos EUA.
Nesse percurso, mostra que o
crescimento econômico acelerado e a redução do atraso relativo entre as nações nada têm
de automático ou de natural.
Os Estados nacionais que lograram construir economias
mais modernas e sociedades
mais democráticas adotaram
estratégias internas de desenvolvimento. Criaram mecanismos domésticos de financiamento, estimularam a inovação
tecnológica, reorganizaram a
política de comércio exterior,
viabilizaram investimentos em
infra-estrutura, racionalizaram os tributos e promoveram
a inclusão social. Dessa forma,
recoloca em debate as contradições e os limites do desenvolvimento econômico e da industrialização brasileira.
Desfaçatez das elites
Gostaria nos limites dessa resenha de destacar duas discussões enfrentadas com muita
coragem pelo autor. Em primeiro lugar, Nassif explicita de
forma contundente o caráter
predatório das elites econômicas nacionais. Desde "Machado
de Assis: Um Mestre na Periferia do Capitalismo" (ed. 34), de
Roberto Schwarz, não aparecia
uma pesquisa tão ampla sobre a
desfaçatez das nossas elites, inclusive das pensantes.
Nassif compara as políticas e
o enriquecimento meteórico
do ministro da Fazenda, Rui
Barbosa, durante o governo
provisório logo após a Proclamação da República (1889-1891), e dos membros da equipe
econômica do Plano Real, Gustavo Franco, André Lara Resende, Pérsio Arida, Edmar Bacha, Winston Fritsch, Pedro
Malan etc.
O seu ponto de partida é a
dissertação de mestrado de
Gustavo Franco sobre o Encilhamento, o processo especulativo ocorrido na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro nos primeiros anos da República Velha, fomentado pela expansão
monetária promovida pela Reforma Bancária de Rui Barbosa.
Nesse trabalho, publicado em
1983, Franco defende a hipótese de que o malogro da política
do ministro da Fazenda decorria da ausência de um Banco
Central, que blindasse as operações internas das oscilações
provocadas pela libra, com a
quebra do Banco Baring na Argentina.
Transferência de riqueza
Como diretor de assuntos internacionais do Banco Central,
11 anos depois, Gustavo Franco
promoveu uma valorização
desmedida do real e favoreceu
o enriquecimento de amigos
que operavam "vendidos em
dólar". Atuou exatamente como Rui Barbosa, que havia facilitado a transferência de riqueza e de poder aos seus aliados,
sobretudo ao banqueiro Francisco de Paula Mayrink. "Quando saiu do Ministério, Rui já era
um homem rico, participando
de três empresas criadas no
Encilhamento. Ainda se tornou
presidente da Estrada de Ferro
Goiás e Mato Grosso e do Banco Impulsor. Entre fevereiro e
maio de 1891, em plena agonia
do Encilhamento, o banco patrocinou cinco novos lançamentos no mercado." Como é
sabido, os membros da equipe
econômica do Plano Real se
transformaram em banqueiros
e/ou assumiram cargos diretivos no sistema financeiro doméstico. Para o autor, "o discípulo superara o mestre".
A revelação nua e crua do
Plano Real, como instrumento
de acumulação de riqueza privada por um grupo privilegiado, evidencia, mais uma vez, a
ausência de um projeto de desenvolvimento para o país. As
decisões, aparentemente universais, mascaram os interesses de poucos. Isso nos leva ao
segundo ponto. A decisão de
aprofundar a integração financeira doméstica com o mercado
de capitais internacional, mediante a entrada de investidores na Bovespa, na BM&F, nas
captações externas de empresas e bancos, e na internacionalização da riqueza financeira
dos endinheirados tupiniquins.
Aposta-se que essa inserção
financeira crescente fará a tão
desejada convergência das taxas de juros domésticas com as
internacionais, desencadeando
um longo ciclo de crescimento
econômico.
Até onde a vista alcança, o
cosmopolitismo das elites globalizadas promoverá uma farra
nos mercados de ações, derivativos, moedas, imóveis, e uma
expansão na produção e nas exportações de commodities
agrícolas, metálicas e industriais.
Nassif sugere, então, como
têm mostrado outros pesquisadores, entre eles o professor
Carlos Medeiros, da UFRJ, que
a dinâmica desse "capitalismo
dependente e associado" se
aproxima da predominante nos
anos 20, integrado aos mercados de capitais e às correntes de
comércio. Como naquele momento, porém, o país perde capacidade de implementar de
forma autônoma as políticas
monetária, cambial e fiscal.
As decisões de política econômica e social, que contrariem os interesses dos mercados financeiros, podem desencadear fugas de capitais. As turbulências externas, que elevam
a aversão ao risco, podem resultar em saídas dos capitais especulativos. Os preços das commodities ficam sujeitos às oscilações dos mercados financeiros e da economia internacional. A dinâmica doméstica fica
condicionada pela externa.
Trata-se, portanto, de uma
aposta de alto risco e que beneficia a poucos. Os setores favorecidos possuem baixa propensão ao emprego. O povo não cabe no modelo.
Crescimento econômico
Como unir as elites nativas,
as empresas transnacionais e a
"malta" numa "vontade coletiva", que restaure o crescimento
econômico acelerado e a mobilidade social ascendente, passando pela democratização da
terra, da renda, da riqueza, do
sistema de educação e de saúde? Como recuperar os núcleos
estratégicos do Estado brasileiro, fortalecendo-os para antecipar acontecimentos e sustentar
iniciativas de longo prazo? No
último capítulo, Nassif delineia
uma proposta.
Em uma próxima edição, a
fim de aperfeiçoar o livro, sugiro maior rigor com as fontes bibliográficas -vários trabalhos
citados no corpo do texto não
aparecem nas referências e
inúmeros dados são apresentados sem as respectivas fontes.
Sugiro ainda corrigir a caracterização da ordem econômica do
século 19 como "semifeudal"
(pág. 75). A própria discussão
realizada pelo autor desfigura
essa imagem. Boa leitura!
OS CABEÇAS-DE-PLANILHA
Autor: Luís Nassif
Editora: Ediouro
Quanto: R$ 39,90 (320 págs.)
Avaliação: ótimo
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