São Paulo, Quarta-feira, 21 de Abril de 1999
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ABRIL PRO ROCK
Tom Zé surpreende Recife

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
enviado especial a Recife

O imponderável aconteceu na edição 1999 do Abril pro Rock. Por incrível que possa parecer, o artista que saiu consagrado -e, segundo personagens da cena que acompanharam as sete edições, recebeu talvez a mais efusiva reação de toda história do festival pernambucano de rock- foi um ex-maldito de 62 anos, Tom Zé.
Perdido na programação excessiva do domingo, o ex-tropicalista baiano fez um show vigoroso, dosando um dom algo passado ao messianismo e inserções inteligentes -em parte porque contaminadas de frevo e maracatu- da marchinha "Taí", de "Pisa na Fulô" (tornada clássico da canção de protesto, dos shows pré-tropicalistas do teatro Opinião dos 60), de sua "Nave Maria" (84), da moda de viola "2001" (dele e de Rita Lee, dos anos Mutantes, tropicalistas).
Mais: desafiou a Rede Globo a publicar seus palavrões e esculhambou o apreço espetacular do presidente FHC pelo dólar.
Foi recebido com simpatia, até aí tudo bem. Acontece -e nisso não há exagero possível- que o público pernambucano ofereceu um espetáculo inesquecível à saída do até então caboclo maldito. Queriam um bis, e lutaram por isso.
A reação popular, incontrolável, não deixou que Otto, mestre de cerimônias da noite, fosse ouvido para apresentar o show seguinte. Por longos e longos minutos, gritaram pela volta de Tom Zé, num aplauso que nunca terminava.
O festival, até então, não abrira espaço para bis. Tom Zé acabou voltando, mas só para agradecer o público e dizer: "Vocês acabam de me salvar", contando, em sua linguagem misteriosa, que havia sido "morto" uma vez, aos quatro anos, e outra, após o tropicalismo de que fora co-fundador. E foi embora, impedido de mais cantar.
Nessa prova de estupidez, a organização do festival, até então irrepreensível (a não ser pela bisonha acústica do local), perdeu oportunidade histórica. Esnobou o desejo da platéia, fez de conta que ela não existia. Repetiu a tirania que o próprio Tom Zé ironizara sistematicamente ao longo do show.
Não importa, o estrago estava feito. O triunfo de Tom Zé, a menos que Recife seja a capital de Marte, deu ao sistema musical brasileiro um sabor de farsa desfeita.
Não dizem que Tom Zé é maldito? Pois ele fez meninas chorarem, fez até homens de gravadora -Carlos Eduardo Miranda, da Trama- chorarem. Fez jovens roqueiros pesados -China, líder do Sheik Tosado, destaque, com os cariocas Los Hermanos, da noite pauleira de sábado- pedirem autógrafo a um velho emepebista.
Não dizem que é anticomercial, que não serve para rádio? Pois foi recebido com requintes de Carla Perez por um público carente de ídolos -é provável que a maioria esmagadora dos presentes nunca o houvesse visto em movimento.
Pois não foi a vulgaridade da Farofa Carioca, muito menos o domínio unificador do "forró-mangue" (axé music versão Pernambuco), que ligou as antenas do povaréu. Foi qualidade musical, ainda que nostalgicamente antiga.
É nisso que os cultores de Tiazinha, Mastruz com Leite e Só Pra Contrariar não apostam uma mísera ficha. Pelo menos por um breve lapso de tempo ficou claro que os que pensam assim não passam de farsantes.
Bem, algo depõe contra Tom Zé. O nível do festival, neste ano, foi próximo do medíocre -não precisava ser gênio para aparecer. A cena mangue passa por momento assustador de uniformização -bandas e bandas e bandas adicionam às muralhas de guitarras seções repetitivas de percussão, e todas tristemente parecem uma só.
Tal padronização permitiu a quem fugisse à norma, para que lado fosse, merecer rótulo de especial. Voltou a acontecer, na mesma noite, com o Mestre Ambrósio. A banda evolui aos trancos e barrancos -até porque faz forró sofisticado, outro palavrão para a indústria-, mas foi a única, junto com o velho baiano, a dar à platéia a chance de se expressar.
O público dera show durante a apresentação de Tom Zé, voltou a dar na do Mestre Ambrósio. Durante a comovente -e nova- "Pescador", cirandas se formaram em vários pontos do chão, e o público desenhou flores com coreografias de quem nem queria ser famoso por 15 minutos, só corresponder aos estímulos lançados pelos artistas lá de cima.
Siba, do Mestre Ambrósio, foi esperto. Dedicou "Sêmen" a Tom Zé, que naquela noite, segundo ele, "bateu o prego que ninguém arranca". Tomara que não, mas os farsantes estão por toda parte.


O jornalista Pedro Alexandre Sanches viajou a convite da organização do festival.


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