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ABRIL PRO ROCK
Tom Zé surpreende Recife
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
enviado especial a Recife
O imponderável aconteceu na
edição 1999 do Abril pro Rock. Por
incrível que possa parecer, o artista
que saiu consagrado -e, segundo
personagens da cena que acompanharam as sete edições, recebeu
talvez a mais efusiva reação de toda
história do festival pernambucano
de rock- foi um ex-maldito de 62
anos, Tom Zé.
Perdido na programação excessiva do domingo, o ex-tropicalista
baiano fez um show vigoroso, dosando um dom algo passado ao
messianismo e inserções inteligentes -em parte porque contaminadas de frevo e maracatu- da marchinha "Taí", de "Pisa na Fulô"
(tornada clássico da canção de
protesto, dos shows pré-tropicalistas do teatro Opinião dos 60), de
sua "Nave Maria" (84), da moda de
viola "2001" (dele e de Rita Lee, dos
anos Mutantes, tropicalistas).
Mais: desafiou a Rede Globo a
publicar seus palavrões e esculhambou o apreço espetacular do
presidente FHC pelo dólar.
Foi recebido com simpatia, até aí
tudo bem. Acontece -e nisso não
há exagero possível- que o público pernambucano ofereceu um espetáculo inesquecível à saída do
até então caboclo maldito. Queriam um bis, e lutaram por isso.
A reação popular, incontrolável,
não deixou que Otto, mestre de cerimônias da noite, fosse ouvido para apresentar o show seguinte. Por
longos e longos minutos, gritaram
pela volta de Tom Zé, num aplauso
que nunca terminava.
O festival, até então, não abrira
espaço para bis. Tom Zé acabou
voltando, mas só para agradecer o
público e dizer: "Vocês acabam de
me salvar", contando, em sua linguagem misteriosa, que havia sido
"morto" uma vez, aos quatro anos,
e outra, após o tropicalismo de que
fora co-fundador. E foi embora,
impedido de mais cantar.
Nessa prova de estupidez, a organização do festival, até então irrepreensível (a não ser pela bisonha
acústica do local), perdeu oportunidade histórica. Esnobou o desejo
da platéia, fez de conta que ela não
existia. Repetiu a tirania que o próprio Tom Zé ironizara sistematicamente ao longo do show.
Não importa, o estrago estava
feito. O triunfo de Tom Zé, a menos que Recife seja a capital de
Marte, deu ao sistema musical brasileiro um sabor de farsa desfeita.
Não dizem que Tom Zé é maldito? Pois ele fez meninas chorarem,
fez até homens de gravadora
-Carlos Eduardo Miranda, da
Trama- chorarem. Fez jovens roqueiros pesados -China, líder do
Sheik Tosado, destaque, com os
cariocas Los Hermanos, da noite
pauleira de sábado- pedirem autógrafo a um velho emepebista.
Não dizem que é anticomercial,
que não serve para rádio? Pois foi
recebido com requintes de Carla
Perez por um público carente de
ídolos -é provável que a maioria
esmagadora dos presentes nunca o
houvesse visto em movimento.
Pois não foi a vulgaridade da Farofa Carioca, muito menos o domínio unificador do "forró-mangue" (axé music versão Pernambuco), que ligou as antenas do povaréu. Foi qualidade musical, ainda
que nostalgicamente antiga.
É nisso que os cultores de Tiazinha, Mastruz com Leite e Só Pra
Contrariar não apostam uma mísera ficha. Pelo menos por um breve lapso de tempo ficou claro que
os que pensam assim não passam
de farsantes.
Bem, algo depõe contra Tom Zé.
O nível do festival, neste ano, foi
próximo do medíocre -não precisava ser gênio para aparecer. A
cena mangue passa por momento
assustador de uniformização
-bandas e bandas e bandas adicionam às muralhas de guitarras
seções repetitivas de percussão, e
todas tristemente parecem uma só.
Tal padronização permitiu a
quem fugisse à norma, para que lado fosse, merecer rótulo de especial. Voltou a acontecer, na mesma
noite, com o Mestre Ambrósio. A
banda evolui aos trancos e barrancos -até porque faz forró sofisticado, outro palavrão para a indústria-, mas foi a única, junto com o
velho baiano, a dar à platéia a
chance de se expressar.
O público dera show durante a
apresentação de Tom Zé, voltou a
dar na do Mestre Ambrósio. Durante a comovente -e nova-
"Pescador", cirandas se formaram
em vários pontos do chão, e o público desenhou flores com coreografias de quem nem queria ser famoso por 15 minutos, só corresponder aos estímulos lançados pelos artistas lá de cima.
Siba, do Mestre Ambrósio, foi esperto. Dedicou "Sêmen" a Tom Zé,
que naquela noite, segundo ele,
"bateu o prego que ninguém arranca". Tomara que não, mas os
farsantes estão por toda parte.
O jornalista
Pedro Alexandre Sanches viajou a
convite da organização do festival.
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