|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MARCELO COELHO
O dedo em riste, mas com talento, de um crítico
A função de crítico cultural,
que julgo exercer semanalmente neste espaço, tem vantagens
e desvantagens. Menciono as
desvantagens: o sujeito se torna arrogante, vaidoso, cria a
seu respeito a ilusão de ser dono da verdade, e cria sobre o
mundo moderno a idéia de que
tudo é sinal de decadência e degeneração.
Para quem acha que o termo
"degeneração" tem algum sentido, recomendo o artigo de
Bernard Shaw, criticando o
reacionarismo estético de um
"crítico cultural" chamado
Max Nordau. Nordau via no
impressionismo e na música de
Wagner sinais de completa
doença na cultura do Ocidente.
O artigo está no livro "O Teatro
das Idéias", organizado e traduzido por Daniel Piza, e editado pela Companhia das Letras.
Mas "crítica cultural" tornou-se uma atividade suspeita,
não pelos disparates de Nordau, e sim pelo que o filósofo
Theodor Adorno escreveu em
"Crítica Cultural e Sociedade",
que o leitor brasileiro pode encontrar em "Prismas", editora
Ática.
Em resumo, Adorno diz que o
crítico cultural é suspeito à medida que ignora seu compromisso pessoal com a mídia, com
o sistema que o sustenta.
Tenho em mãos um livro brilhante. Chama-se "Para Fazer
Diferença"; foi escrito por um
gaúcho, Luiz Augusto Fischer, e
editado pela Artes e Ofícios.
Luiz Augusto Fischer se proclama (com razão) um "crítico
cultural". Ganha uma espécie
de conforto nessa atividade pelo fato de ser gaúcho. Este gauchismo lhe confere veracidade,
anula qualquer suspeição
adorniana.
Muito bem, esqueçamos
Adorno. Ler Luís Augusto Fischer é uma maravilha. Ei-lo,
deblaterando contra São Paulo:
São Paulo não tem "demonstrado nenhum apetite para assumir a dívida moral que tem
com o resto do país, nem para
pagar o preço pela concentração absurda de recursos materiais e humanos", diz Fischer.
O talento de Mario e Oswald
de Andrade é posto em dúvida,
com razão a meu ver. Esse gaúcho furioso diz verdades, e
muitas. Celebro, acima de tudo, sua capacidade de síntese,
sua economia na frase: sobre a
psicanálise, Fischer diz apenas
que "deu ao homem outro espelho que não o da imagem socialmente aceita".
Sobre Paulo Francis, leio um
pensamento de rara profundidade: "Tenho a impressão de
que Francis estava, intelectualmente, fora do diapasão da vida brasileira real". O texto continua. Não vou contar como.
Mas Luís Augusto Fischer, neste livro, mostra como se pode
ser inteligente a partir de um
ponto de vista fraco -a província riograndense- e dá
uma lição aos arrogantes paulistas, que se consideram donos
da cultura (a mesma cultura
que, segundo Adorno e Shaw,
era vítima de um sequestro filisteu).
Fischer sofre dos defeitos que
este articulista conhece bem: o
dedo em riste, o pigarro, o arbítrio, a acusação. OK. Seu livro,
a meu ver, é um fenômeno de
inteligência e agudeza. Agudeza gaúcha, por certo. Mas ninguém é perfeito.
Texto Anterior: Política Cultural: Favelas e miséria agridem patrimônio histórico do país Próximo Texto: Livro - Lançamentos: Volume traz voz e traço de Verissimo Índice
|