São Paulo, terça-feira, 21 de maio de 2002

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OUTRO LADO

Maestro construiu imagem positiva da orquestra

DA REPORTAGEM LOCAL

O secretário estadual da Cultura, Marcos Mendonça, diz que não pode divulgar o contrato do maestro John Neschling porque isso significaria a prática de um crime -a violação do direito à privacidade. Segundo ele, o contrato não é sigiloso, mas só pode ser liberado pelo maestro, conforme orientação que recebeu da Procuradoria Geral do Estado.
Procurado pela Folha, Neschling disse não ter obrigação de divulgar o documento. "Você sabe o quanto o Felipão ganha?", perguntou, numa conversa de menos de dois minutos com o repórter da Folha. "Vá reclamar com o governador", sugeriu.
O governador incumbiu o secretário de Cultura de explicar as razões do contrato:

Folha - O sr. acha lícito usar recursos públicos, da Sala São Paulo, para pagar um contrato sigiloso?
Marcos Mendonça -
O contrato do maestro John Neschling é pago com receitas extra-orçamentárias, provenientes da vendas de assinaturas, de ingressos e de patrocínio. Como maestro, ele construiu essa imagem positiva da orquestra, que gerou essa bilheteria e essas assinaturas. Ele conseguiu colocar a orquestra num patamar jamais visto. Antes de sua gestão, a orquestra tinha um público médio de 90 a 100 pessoas por apresentação e se apresentava a cada 15 dias, com entrada franca e estacionamento gratuito. Hoje, ela se apresenta duas vezes por semana, com ingresso pago, estacionamento pago e um público médio de 1.300 pessoas. Isso é produto da ação dele.

Folha - Então, o contrato sigiloso é lícito?
Mendonça -
O contrato não é sigiloso. Ele é feito entre o maestro e a Fundação Padre Anchieta.

Folha - Por que não se pode ter acesso a ele?
Mendonça -
Segundo a Procuradoria do Estado e o departamento jurídico da Fundação Padre Anchieta, a Constituição garante a Neschling o direito de sigilo, de privacidade. Diante disso, a Procuradoria do Estado nos orientou que você procurasse o maestro Neschling, que ele poderia ou não, a critério dele, praticar esse ato. Eu não posso praticar um ato ilegal instado por um jornalista. Eu não sou jurista. Acato uma orientação da Procuradoria Geral do Estado e do jurídico da Fundação Padre Anchieta.

Folha - Qual foi o critério aplicado para se pagar cerca de US$ 400 mil por ano a Neschling?
Mendonça -
Eu desconheço esse montante. Mas o critério para a escolha de John Neschling foi o de termos não um maestro para reger a orquestra, mas um maestro que fosse montar uma nova orquestra. Ele viria para selecionar os músicos, acompanhar a execução de uma obra de grande envergadura, para a qual era fundamental a presença de um especialista. Até então, a orquestra era mambembe, ensaiava no auditório de uma escola, não tinha estrutura, não tinha local próprio para se apresentar, não tinha um repertório novo. Diante disso, ou fingíamos que tínhamos uma orquestra, e gastávamos recursos públicos para manter uma orquestra, entre aspas, de mentira, ou fazíamos uma orquestra de nível internacional, à altura da grandeza de São Paulo. Os músicos eram do maior gabarito, mas não tinham condições de trabalho. A partir daí, buscamos um projeto que representou uma revolução na música do país. Isso não é dito por nós, é dito pela Folha, que diz que a Osesp é um milagre. Para ter esse nível, fomos buscar um maestro que atendesse o anseio de termos uma orquestra que desse orgulho para São Paulo. Os músicos indicaram o nome de Neschling. Era fundamental que houvesse uma revolução.

Folha - O sr. acredita que esse trabalho vale US$ 400 mil por ano?
Mendonça -
Eu não vou discutir a questão do valor. Ele colocou São Paulo no cenário internacional. Pela primeira vez, uma orquestra brasileira gravou um CD com compositores brasileiros e está distribuindo esse CD pelo mundo. Isso, evidentemente, não tem preço. Pela primeira vez na história, uma orquestra brasileira vai fazer uma turnê na alta temporada americana, nas melhores salas dos EUA. Isso, evidentemente, é orgulho para o Brasil: São Paulo está no cenário internacional. Salários de maestros de orquestras boas, de cidades médias da Europa e dos EUA, superam em muito esse valor.

O superientendente da Fundação Padre Anchieta, o contador Manoel Luiz Luciano Vieira, segue raciocício idêntico ao de Mendonça: "Não existe sigilo em contratos da TV Cultura. O que não podemos é dar publicidade aos salários. Toda pessoa que se relaciona com a TV Cultura tem direito à privacidade."
O advogado Fernando Fortes, consultor da TV Cultura há 25 anos, diz que a Fundação Padre Anchieta é de direito privado, apesar de ser sustentada por recursos públicos. "Isso [o financiamento público" não a torna órgão da administração pública", diz. Por isso ela não é obrigada dar publicidade a seus negócios. "Seria mais transparente tornar público esse contrato. Mas a confidencialidade dele não é ilegal."


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