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OUTRO LADO
Maestro construiu imagem positiva da orquestra
DA REPORTAGEM LOCAL
O secretário estadual da Cultura, Marcos Mendonça, diz que
não pode divulgar o contrato do
maestro John Neschling porque
isso significaria a prática de um
crime -a violação do direito à
privacidade. Segundo ele, o contrato não é sigiloso, mas só pode
ser liberado pelo maestro, conforme orientação que recebeu da
Procuradoria Geral do Estado.
Procurado pela Folha, Neschling disse não ter obrigação de
divulgar o documento. "Você sabe o quanto o Felipão ganha?",
perguntou, numa conversa de
menos de dois minutos com o repórter da Folha. "Vá reclamar
com o governador", sugeriu.
O governador incumbiu o secretário de Cultura de explicar as
razões do contrato:
Folha - O sr. acha lícito usar recursos públicos, da Sala São Paulo, para pagar um contrato sigiloso?
Marcos Mendonça - O contrato
do maestro John Neschling é pago
com receitas extra-orçamentárias, provenientes da vendas de
assinaturas, de ingressos e de patrocínio. Como maestro, ele construiu essa imagem positiva da orquestra, que gerou essa bilheteria
e essas assinaturas. Ele conseguiu
colocar a orquestra num patamar
jamais visto. Antes de sua gestão,
a orquestra tinha um público médio de 90 a 100 pessoas por apresentação e se apresentava a cada
15 dias, com entrada franca e estacionamento gratuito. Hoje, ela se
apresenta duas vezes por semana,
com ingresso pago, estacionamento pago e um público médio
de 1.300 pessoas. Isso é produto
da ação dele.
Folha - Então, o contrato sigiloso
é lícito?
Mendonça - O contrato não é sigiloso. Ele é feito entre o maestro e
a Fundação Padre Anchieta.
Folha - Por que não se pode ter
acesso a ele?
Mendonça - Segundo a Procuradoria do Estado e o departamento
jurídico da Fundação Padre Anchieta, a Constituição garante a
Neschling o direito de sigilo, de
privacidade. Diante disso, a Procuradoria do Estado nos orientou
que você procurasse o maestro
Neschling, que ele poderia ou
não, a critério dele, praticar esse
ato. Eu não posso praticar um ato
ilegal instado por um jornalista.
Eu não sou jurista. Acato uma
orientação da Procuradoria Geral
do Estado e do jurídico da Fundação Padre Anchieta.
Folha - Qual foi o critério aplicado
para se pagar cerca de US$ 400 mil
por ano a Neschling?
Mendonça - Eu desconheço esse
montante. Mas o critério para a
escolha de John Neschling foi o de
termos não um maestro para reger a orquestra, mas um maestro
que fosse montar uma nova orquestra. Ele viria para selecionar
os músicos, acompanhar a execução de uma obra de grande envergadura, para a qual era fundamental a presença de um especialista. Até então, a orquestra era
mambembe, ensaiava no auditório de uma escola, não tinha estrutura, não tinha local próprio
para se apresentar, não tinha um
repertório novo. Diante disso, ou
fingíamos que tínhamos uma orquestra, e gastávamos recursos
públicos para manter uma orquestra, entre aspas, de mentira,
ou fazíamos uma orquestra de nível internacional, à altura da grandeza de São Paulo. Os músicos
eram do maior gabarito, mas não
tinham condições de trabalho. A
partir daí, buscamos um projeto
que representou uma revolução
na música do país. Isso não é dito
por nós, é dito pela Folha, que diz
que a Osesp é um milagre. Para ter
esse nível, fomos buscar um
maestro que atendesse o anseio
de termos uma orquestra que desse orgulho para São Paulo. Os
músicos indicaram o nome de
Neschling. Era fundamental que
houvesse uma revolução.
Folha - O sr. acredita que esse trabalho vale US$ 400 mil por ano?
Mendonça - Eu não vou discutir
a questão do valor. Ele colocou
São Paulo no cenário internacional. Pela primeira vez, uma orquestra brasileira gravou um CD
com compositores brasileiros e
está distribuindo esse CD pelo
mundo. Isso, evidentemente, não
tem preço. Pela primeira vez na
história, uma orquestra brasileira
vai fazer uma turnê na alta temporada americana, nas melhores
salas dos EUA. Isso, evidentemente, é orgulho para o Brasil:
São Paulo está no cenário internacional. Salários de maestros de orquestras boas, de cidades médias
da Europa e dos EUA, superam
em muito esse valor.
O superientendente da Fundação Padre Anchieta, o contador
Manoel Luiz Luciano Vieira, segue raciocício idêntico ao de
Mendonça: "Não existe sigilo em
contratos da TV Cultura. O que
não podemos é dar publicidade
aos salários. Toda pessoa que se
relaciona com a TV Cultura tem
direito à privacidade."
O advogado Fernando Fortes,
consultor da TV Cultura há 25
anos, diz que a Fundação Padre
Anchieta é de direito privado,
apesar de ser sustentada por recursos públicos. "Isso [o financiamento público" não a torna órgão
da administração pública", diz.
Por isso ela não é obrigada dar publicidade a seus negócios. "Seria
mais transparente tornar público
esse contrato. Mas a confidencialidade dele não é ilegal."
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