São Paulo, sábado, 21 de maio de 2005

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LIVROS

ROMANCE

Clássico juvenil do escritor húngaro Ferenc Molnár ganha nova edição

"Meninos da Rua Paulo" não envelhece e dá aulas a adultos

Divulgação
Ferenc Molnár (1878-1952), autor de "Os Meninos da Rua Paulo"


MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA

O ideal é ler este livro com 11 ou 12 anos -foi o que aconteceu comigo- e, se possível, esquecê-lo, para que o prazer de uma releitura tardia seja tão intenso quanto o que tive nesta última semana.
Publicado pela primeira vez em 1907, "Os Meninos da Rua Paulo" não envelhece nunca. Mas sinto certa dificuldade em apontar as razões de seu encanto permanente. Afinal, pode-se atribuir a este clássico juvenil do húngaro Ferenc Molnár (1878-1952) a suspeita intenção de educar os adolescentes para as belezas da honra, do cavalheirismo, do sacrifício e do companheirismo militar -virtudes que, como nota Nelson Ascher no posfácio desta edição, os horrores da Primeira Guerra Mundial, e de tudo o que veio depois, haveriam de rapidamente colocar em descrédito.
Acontece que o livro é e não é uma história de guerra. Está em jogo a disputa de um terreno baldio. De um lado, os garotos da rua Paulo, que sempre usaram o tal terreno para suas brincadeiras. De outro, a turma do Jardim Botânico, sob a liderança de Chico Áts, com os temíveis irmãos Pásztor ao seu lado. Tudo começa quando o grupo de Chico Áts resolve humilhar os meninos da rua Paulo e tomar conta do local de suas brincadeiras habituais.
Uma briga de gangues juvenis, então, em torno de uma reles questão de território. Mas caracterizar assim o romance de Molnár equivale a uma traição. Por outro lado, dizer que a briga dos adolescentes assume dimensões épicas e grandiosas não seria incorreto, seria também uma infidelidade ao tom da narrativa.
Desde a primeira cena do romance, tudo assume um espírito ao mesmo tempo sério e irônico, carinhoso e grave, para o qual há poucos equivalentes na história da literatura.
Estamos nos 15 minutos finais da aula. A classe se agita. A vontade de todos é sair correndo: há um sopro de liberdade no ar. Nada mais diverso do que o início, igualmente realista, de "Madame Bovary", onde Flaubert mostra a chegada de um aluno novo, o pobre Charles Bovary, na classe que se encarrega de esmagá-lo à força de gozações sem fim. O poder esmagador da coletividade, que fascinava Flaubert, se transforma aqui em espaço de celebração e amizade.
A passagem do horário de aula para o recreio é também a passagem da vida infantil para a vida adulta. Os meninos da rua Paulo disputam seu lugar de brincadeiras como se fossem homens feitos. Personagens inesquecíveis -o líder Boka, o falso Geréb, o pequeno Nemecsék- vivem entre a imaginação infantil e a descoberta de novas responsabilidades éticas.
A habilidade da narrativa está em mostrar ao mesmo tempo a leveza, a espontaneidade inocente das atitudes dos garotos, e a profundidade moral e política das situações em que estão envolvidos. Qualquer adulto tem muito a aprender com essas crianças; não tem como não se divertir, e comover-se imensamente também.


Os Meninos da Rua Paulo
    
Autor: Ferenc Molnár
Tradução: Paulo Rónai
Revisão de tradução: Aurélio Buarque de Hollanda
Quanto: R$ 25 (256 págs.)



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