São Paulo, quarta-feira, 21 de maio de 2008

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Artista explora cultura de massa e tensão sexual

Na galeria Luisa Strina, inglês David Haines retrata jovens rapazes e seus tênis

"Eu compro sapatos usados porque neles você sente o cheiro da pessoa que usou, o gosto", diz artista que expõe pela segunda vez no Brasil

SILAS MARTÍ
DA REPORTAGEM LOCAL

As mãos de David Haines parecem macias demais para um homem obcecado por pés -na verdade, sapatos. Ele tira as luvas grossas que usava na montagem e deixa ver a pele fina das palmas ao receber a reportagem da Folha na galeria Luisa Strina, em São Paulo.
Estranha a delicadeza porque é com essas mãos de aspecto frágil que ele desenha a lápis odes ao sapato como instrumento e objeto de humilhação e desejo -as 11 telas grandes e pequenas expostas a partir de hoje na galeria dos Jardins.
"Eu compro sapatos usados, porque neles você sente o cheiro da pessoa que usou, o gosto. Dá para chegar perto de alguém só pelos pés", diz Haines.
Nascidos desse fetiche, seus desenhos retratam jovens rapazes e seus tênis, em rituais estranhos e poses com um ar blasé. Não disfarçam uma forte tensão sexual, que vem embalada por uma reflexão sobre a cultura de massa e a junk food.
"São todos garotos de programa que eu encontrei na internet e pedi que posassem para mim", conta Haines. "As imagens não são sexuais, mas há um grande desejo por trás."
Haines diz tentar organizar o caos da vida on-line rastreando a mitologia que se cria em torno de personalidades fake, cibernéticas. Não quer contar uma história, mas capturar uma imagem que permita várias leituras, seja pelo confronto direto com o retratado, seja pelas marcas e símbolos reproduzidos nas imagens. Sobre os logos de Nike, McDonald's e Adidas que aparecem nos retratos, esclarece que não se trata de um discurso contra o marketing corporativo. "Marcas conhecidas são símbolos reconfortantes. Se você anda por uma rua escura e desconhecida e vê uma placa do McDonald's, é algo que dá confiança", diz Haines.
Mas fora desse discurso, chama a atenção o desenho que recria com um realismo fotográfico as dobras nos tecidos, a textura dos tênis, o arrepio dos cabelos desses jovens. Valoriza a representação e surpreende num momento em que a arte despreza o figurativo.
Na entrevista, ele pára e olha de perto os desenhos e aponta cada detalhe que copiou do tênis original. Chega a arriscar excessos como dizer que Rembrandt dava a mesma atenção à luminosidade em sua obra.
Todo o apuro, apesar da excentricidade do tema, seria convencional, não fosse Haines um artista contemporâneo. Respaldado pela busca on-line de seu leitmotiv, consegue dar carga atual a seus desenhos.
Mas não passa em branco o fato de esses serem retratos de rituais sadomasoquistas e de forte apelo fetichista -fator de choque que se perde com graça na técnica clássica.


DAVID HAINES
Quando:
de seg. a sex., das 10h às 19h; sáb., das 10h às 17h; até 21/6 Onde: galeria Luisa Strina (r. Oscar Freire, 502, Jardins; tel. 0/xx/ 11/ 3088-2471)
Quanto: entrada franca


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