São Paulo, quinta-feira, 21 de maio de 2009

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ENTREVISTA - BARBARA HELIODORA

Muito barulho por nada

Autoridade máxima em Shakespeare no país, Barbara Heliodora lança tradução e critica teatro experimental

Daryan Dornelles/Folha Imagem
A critica e tradutora Barbara Helidora, em sua casa, no Rio

LUCAS NEVES
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Diretores e atores com egos arranhados serão tentados a fazer a associação infame ao saber que a crítica teatral Barbara Heliodora, 85, conhecida pela virulência de suas resenhas, mora no mesmo bairro carioca em que o Bruxo do Cosme Velho, Machado de Assis (1839-1908), viveu. Mas pouco mais de uma hora de conversa indica que a austeridade fica na porta da casa antiga, com vista e cheiro de mata atlântica, cheia de bibelôs de porcelana, em que ela abre largos sorrisos para saudar o teatro de William Shakespeare, a cuja tradução se dedica há pelo menos 30 anos -o segundo volume das obras completas é lançado agora.
Expressões de contrariedade são poucas, como quando comenta a inclinação de certos nichos do teatro brasileiro atual à experimentação: "Compreendo que o teatro tenha de mudar, ser contemporâneo. Mas as pessoas precisavam ter mais base do que é que ele foi. Não se pode fazer a variação antes do tema. De repente, alguém diz: "Só vou fazer teatro experimental". Se não sabe como era o teatro antes, como vai descobrir que experiência é aquela? A preocupação da releitura fica então em cima de uma base falsa."
Dos tempos de professora de história de teatro na UniRio, ela guarda a queixa de uma aluna: "O erro da escola é não nos preparar para o teatro alternativo". Ao que respondeu à época, e de novo agora: "Ora, uma escola de teatro tem de preparar atores! O importante é o treinamento básico. Ser ou não alternativo é uma questão de repertório, não de formação."
Barbara, que não leciona mais, vê falhas graves no funcionamento dos cursos universitários de artes cênicas hoje. "Por um lado, falta exigência. Por outro, há o fato de os novos professores nunca terem pisado num palco. Não têm experiência artística a transmitir. Antes, havia atores e diretores dando aulas. Agora, cobram titulação. É um terror."

Tradução em família
Numa sala de aula, anos atrás, ela sentiu falta de uma tradução de "Hamlet" que valesse indicar à turma. Encomendou uma à mãe, a poeta Anna Amélia de Mendonça, que a presenteou também com uma versão de "Ricardo 3º". A partir de "A Comédia dos Erros", a terceira adaptação de Shakespeare, Barbara assumiu os trabalhos, já praticamente concluídos (leia mais ao lado).
Às traduções, somaram-se uma tese de doutorado sobre o dramaturgo, livros dedicados a ele e textos editados em revistas estrangeiras -produção que a credenciou como maior autoridade brasileira no tema. "Acho que o maior engano que se criou é o de que Shakespeare é inacessível, hermético.
Isso é de uma época em que os professores adoravam dizer aos estudantes: "Eu compreendi, mas está acima da capacidade de vocês". Ele foi um autor verdadeiramente popular, era montado do teatro público à corte", observa.

Shakespeare é simples
O texto shakespeariano, aponta ela, é "riquíssimo em imagens tiradas do cotidiano e elaboradas com linguagem relativamente simples -ainda que por vezes ele invente palavras". Nesses casos, "a ação facilita a compreensão", defende Barbara, ciosa da transposição das peças para a cena da forma como foram concebidas: predominantemente em verso.
Não foi o que fez a bem-sucedida montagem de "Hamlet" com Wagner Moura no papel-título e Aderbal Freire-Filho na direção, atualmente em cartaz no Rio, depois de temporada paulistana. "Nessa peça, o verso é o pensamento harmônico e a prosa, a pretensa loucura. Se você põe tudo em prosa e o personagem está sempre louco, felicidades, mas não me diga que aquilo é "Hamlet"!"
Entra em cena a crítica implacável do jornal "O Globo". "Elogiar o que está ruim prejudica quem faz. A pessoa não vai se corrigir. Não falo de pessoas, avalio trabalhos. Acho que o público precisa ser informado, não só para não ser apanhado de surpresa por coisas horríveis, como também para compreender melhor o teatro de forma geral. Essa é a minha forma de ajudar a formar uma plateia criteriosa, que peça bons repertórios."
Para lembrar o nome de uma promessa da dramaturgia brasileira atual, Rodrigo Nogueira (de "Play", em cartaz no Rio), ela busca o caderno largo, desses de rabiscos de aulas de artes plásticas, em que cola suas críticas. Sabe que fazer e pensar o teatro, como em toda arte, é esboçar sempre.


TEATRO COMPLETO VOLUMES 1 E 2

Autor: William Shakespeare
Tradução: Barbara Heliodora
Editora: Nova Aguilar
Quanto: R$ 339,90 (primeiro volume; 1.773 págs.) e R$ 350 (segundo volume; 1.591 págs.)




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