São Paulo, sábado, 21 de maio de 2011 |
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DRAUZIO VARELLA O ataque à camareira
NOS HOTÉIS, os homens americanos tomam a precaução de sair quando a camareira entra para arrumar o quarto. Vão tomar um café, dão a volta no quarteirão, aproveitam para comprar o jornal, ver o sol, a neve ou os carros que passam, mas no quarto não ficam de jeito nenhum. Estão cansados de saber que no país deles acusação de assédio sexual dá cadeia. Uma pena o ex-diretor-gerente do FMI (Fundo Monetário Internacional) não ter amigos americanos. Eles o teriam advertido para não dar moleza para o azar; teriam dito que Nova York não é local seguro para realizar fantasias sexuais, nem mesmo para o futuro presidente da França. Para não negar ao acusado o benefício da dúvida, sou tentado a imaginar que ele tenha sido vítima de alguma armação ou de um "jet lag" internacional. Homens que viajam muito correm risco de momentaneamente perder a noção do lugar em que se encontram. Digo por experiência própria, já perdi tempo em Salvador procurando uma livraria de Recife. Ludibriado pelos fusos horários e pelo fato de todos os hotéis de luxo serem iguais, quem sabe não julgou estar no Brasil ou em outro país permissivo como o nosso, no qual um homem endinheirado pode atacar as mulheres mais humildes com total liberdade. Infelizmente para ele, nos Estados Unidos assalto sexual é considerado crime grave. Lá, dão voz de prisão, algemam e mandam o agressor para a cadeia. Seja quem for. O policial tem autoridade para prender e o juiz para julgar sem que o Poder Executivo ouse interferir, especialmente nos casos rumorosos. Se tal incidente tivesse acontecido no Brasil, qual a probabilidade de um Don Juan fora de forma, com as ligações políticas e as características socioeconômicas do protagonista, ir parar no Centro de Detenção Provisória do Belém ou no cadeião de Pinheiros? O que diriam do passado e da conduta moral da camareira? Seria ela processada por falso testemunho? Anos atrás visitei o presídio de Rykers Island, em Nova York. É um complexo formado por vários edifícios, bem organizado, com mais de 10 mil prisioneiros distribuídos de acordo com a faixa etária, o grau de periculosidade e o tipo de crime cometido. Faz parte do conjunto um navio antigo adaptado para funcionar como prisão, ancorado na ilha. Pela fotografia publicada na Folha, a cela individual designada para o nosso personagem me pareceu decente: bem iluminada, com pia, vaso sanitário, cama com colchão, lençol, cobertor e travesseiro e uma prateleira para servir de apoio. De fato, é mais acanhada do que a suíte presidencial ocupada por ele dias atrás, mas não posso compará-la às dos nossos Centros de Detenção Provisória, com quatro beliches de alvenaria para mais de 20 presos. Ao chegar a um desses xadrezes, sua excelência não contaria com o privilégio da espuma de borracha amarrotada de uma das camas, muito menos com travesseiros, lençóis, sabonetes e outros luxos, iria diretamente para a "praia", nome dado ao chão duro. É lógico que não teria direito de escolher o canto que lhe parecesse mais aconchegante: seria obrigado a dormir junto ao "boi", o vaso sanitário usado pelos 25 ocupantes, até que um companheiro recém-chegado o substituísse. Na manhã seguinte seria abordado pelo "piloto", o manda-chuva do raio, que lhe solicitaria amavelmente uma contribuição semanal para ajudar os irmãos que não recebem visitas, manter o programa de cestas básicas para os familiares da irmandade e cobrir as despesas de viagem das mães e esposas que visitam seus entes queridos nas cadeias do interior do Estado. Não acho que o ex-futuro presidente da França se negaria a colaborar, é provável que até agradecesse a Deus por sua esposa não depender de auxílio da irmandade para viajar nem para receber a referida cesta, em Paris. As autoridades brasileiras não teriam como resistir à pressão da opinião pública internacional e do governo francês para libertar seu compatriota, aprisionado em condições tão desumanas. Por isso, caro leitor, perca as esperanças. Enquanto nossas prisões forem o que são, será mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um homem rico e influente ficar preso numa cadeia brasileira. AMANHÃ NA ILUSTRADA: Ferreira Gullar Texto Anterior: Não Ficção Próximo Texto: Quarteto Emerson toca hoje em São Paulo Índice | Comunicar Erros |
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