São Paulo, Sexta-feira, 21 de Maio de 1999
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Trauma político leva voz embora

da Reportagem Local

A barra não é nada mansa. Os episódios que engolfaram Wilson Simonal são pesados e continuam envoltos por grossa neblina. Pertencem a uma era de extremos, e talvez até por isso parece conveniente a todo mundo esquecer os extremos sofridos e superados. É solução escapatória, e aí tanto ele quanto seus (inúmeros) inimigos incorrem num mesmo equívoco.
Simonal tenta apagar o passado, negando o que diz que não houve, mas que quase todo mundo pensa que houve. Presa da própria estratégia, é tratado de forma análoga: já que o passado incomoda, melhor fingir que o passado -ou seja, Simonal- não existiu.
O equívoco se torna histórico. Tenta-se apagar, no roldão das mazelas, o passado musical brasileiro. Seja quem for, possui caudalosa obra, definidora dos contornos da música popular brasileira.
Se optava por certo convencionalismo e pelo populismo, nem assim sua importância pode se reduzir à de esqueleto no armário. Ele reinventou o suingue vocal, numa síntese que, como ele declara, une Jackson do Pandeiro a Miltinho.
Levou bossa nova ao grande público, suingando "Lobo Bobo" (64). Gravou samba -"As Moças do Meu Tempo" (65), que há pouco Paulinho da Viola decretou inédita, fora gravada por ele em 65. Ajudou a moldar a persona artística de Elis Regina. Gravou um Gilberto Gil ainda anônimo. Deu voz à musicalidade infernal de Jorge Ben. Lançou parâmetros ao soul brasileiro com "Nem Vem Que Não Tem" (67), regravada -em francês!- por Brigitte Bardot.
O homem que infantilizou a MPB com bobagens como "Meu Limão, Meu Limoeiro" (66), "Pára, Pedro" e "Escravos de Jó" (67) criou depois desconcertante LP chamado "Ninguém Proíbe o Amor" (75), manifesto soul de solidão e desamparo -merecidos ou não, renderam música bela e influente em largo espectro.
Por quais razões forem, musicais, históricas ou políticas, a voz e os discos de Simonal precisam ser entendidos, pesquisados, ouvidos. Sua voz não pode ser extirpada do mundo real, sob pena de o Brasil musical ser confinado a república tropicalista de bananas. (PAS)

Show: Wilson Simonal
Onde: teatro Crowne Plaza (r. Frei Caneca, 1.360, tel. 011/289-0985)
Quando: hoje e amanhã, 21h; dom., 20h
Quanto: R$ 20



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