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São Paulo, sábado, 21 de junho de 2003

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PERÍODO FRANQUISTA É REVISTO POR ROMANCES, LIVROS DE REPORTAGEM E ENSAIOS

Dedo na FERIDA

Defensores da causa republicana, franquistas e céticos vasculham memória da Guerra Civil Espanhola

IVAN PADILLA
FREE-LANCE PARA A FOLHA, DE BARCELONA

A Espanha quer recuperar a memória perdida. Após décadas de silêncio, os anos sangrentos da Guerra Civil Espanhola (1936-1939) e da repressão do regime militar (1939-1975) instaurado pelo general Francisco Franco -que contabilizou mais mortos, desaparecidos e exilados (cerca de 1 milhão) que todas as ditaduras latino-americanas do mesmo período- são tema de romances, ensaios e livros de reportagem.
Pelo menos duas dezenas de títulos chegaram às livrarias espanholas nos últimos três meses, sendo que sete deles estão na feira do livro de Madri, aberta em 30 de maio.
As histórias são contadas do ponto de vista dos vencidos e, na maioria das vezes, os personagens são reais, com nome e sobrenome. Os livros abordam temas até agora pouco explorados, como as execuções sistemáticas dos republicanos durante o avanço franquista, as mazelas sociais do pós-guerra, os campos de concentração, as valas comuns, a vida das prostitutas e o amor reprimido.
A Guerra Civil Espanhola teve início em junho de 1936, quatro meses após a vitória nas eleições da Frente Popular, formada por republicanos, socialistas e comunistas. Os militares, liderados pelo general Francisco Franco, não aceitaram o resultado das urnas, tomaram as armas e marcharam de Marrocos até Madri.
Em "La Columna de la Muerte", por exemplo, o historiador Francisco Espinosa narra o avanço franquista em direção à capital espanhola. "Os franquistas tinham um plano de extermínio definido. Nos povoados por onde passavam, fuzilavam políticos e sindicalistas. O número de execuções era de cerca de 1% da população, com o objetivo não só de eliminar opositores, mas também de mostrar força", diz o historiador.
Ainda tabu na sociedade espanhola, o tema dos campos de concentração é explorado em "Los Campos de Concentración Franquista", "Una Imensa Prisión" e "Irredentas". Nessas prisões, os oposicionistas não eram executados, como nos campos nazistas, mas obrigados a trabalhar.
A recessão econômica, o desemprego e a fome durante o confronto civil e nos anos de pós-guerra são tratados em obras como "Crónica de los Años Perdidos" e "El Hambre en España".
E por que o assunto volta à tona agora, 21 anos depois das primeiras eleições pós-franquismo?
Para o historiador Salvador Martí, da Universidade Autònoma de Barcelona, o longo tempo da ditadura seria um dos fatores. "A transição para a democracia foi feita por uma geração que não teve instrução política. A história está sendo contada por uma terceira geração, pelos netos dos mortos e desaparecidos", afirma.
Para Juan Diego Pérez, diretor da editora Oberón, responsável pela edição de uma coleção de quatro livros sobre o tema, a explicação seria política.
A transição para a democracia foi gradual: após a morte de Franco, em 1975, um gabinete moderado de direita assumiu o poder. "Naquele momento instaurou-se um "pacto da amnésia", uma decisão acertada por todos os lados para evitar revanchismos", diz.
O lançamento mais esperado do ano é o livro autobiográfico do escritor Jorge Semprún, que viveu clandestino em Madri entre 1953 e 1963. Nas memórias sobre o período, o autor contará também curiosidades como o episódio em que, ao ser perguntado por um senhor, em um bar, em 1954, o que tinha achado de um gol marcado por Di Stéfano, respondeu: "quem é Di Stéfano?". Não saber naqueles tempos quem era o craque do Real Madrid, considerado time oficial do regime, era mais do que motivo para suspeitas.



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