|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MERCADO EDITORIAL
Editor deixa de produzir livros para outros e cria A Girafa, com "a cabeça nas nuvens, os pés no chão"
Após 40 anos, Sena Madureira lança editora
CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL
Há quem diga que as gravatas-borboleta de Pedro Paulo de Sena
Madureira seriam capazes de editar livros sozinhas.
Seus laçarotes viajaram 25 vezes
para a Feira do Livro de Frankfurt, principal evento editorial do
mundo, conviveram com autores
como Milan Kundera, Roland
Barthes e Marguerite Yourcenar e
assistiram os bastidores de editoras como a Nova Fronteira e a Siciliano. Agora, as gravatas-borboleta partem para a carreira solo.
Aos 56 anos e quase quatro décadas produzindo livros para outros, Sena Madureira está prestes
a inaugurar sua primeira casa
própria. Em julho ele coloca nas
prateleiras os primeiros títulos
com o selo A Girafa (nome inspirado em textos de Guimarães Rosa e Murilo Mendes). Atrás de cada exemplar, estará o logotipo,
com um girafídeo desenhado por
Francesc Petit, e o dístico: "A cabeça nas nuvens, os pés no chão".
Sena Madureira não perde tempo em assumir sua parte do mamífero. "Tenho a cabeça nas nuvens. Por isso chamei para diretor
editorial o Fernando, meus pés no
chão", afirma. "Não é bem assim", defende-se o Fernando em
questão, o escritor e editor Fernando Nuno. "Também tenho cabeça nas nuvens e Pedro Paulo
tem sim bastante pé no chão."
Seja lá quem for o "pé" ou a "cabeça" a anatomia real d'A Girafa
está definida. Sena Madureira,
dono da editora em sociedade
com os empresários Antonio Veronezi (Universidade de Guarulhos e Shopping Internacional de
Guarulhos, entre outros) e Roberto Vidal (proprietário da gráfica
ArtPrinter), diz que vai "sumir".
"Só quero ficar aqui pensando",
diz apontando para a sua sala, em
um prédio em Higienópolis, decorada com serigrafias de Miró.
Nuno é quem fica no timão.
Com 52 anos, o executivo da
editora A Girafa não perde feio da
gravata-borboleta do patrão.
Acompanhado dela, irá em outubro à sua 17ª Feira de Frankfurt.
Pelos seus próprios cálculos,
Nuno já editou mais de 3.000 livros, seja na extinta Círculo do Livro, empresa do Grupo Abril onde passou 17 anos, seja nas quase
20 editoras para as quais vem fazendo trabalhos desde 1993. "A
única coisa chata de deixar de trabalhar em casa é não poder mais
ficar de bermuda e camiseta",
brinca, ao lado do chefe dândi.
Com trajes mais compostos, esse tradutor do intrincado romance "O Som e a Fúria", de William
Faulkner, e atual adaptador de toda a obra de Shakespeare para jovens, para a editora Objetiva, terá
pela frente um extenso conjunto
de coleções, forma encontrada
por Sena Madureira para agrupar
as variadas pernas de A Girafa.
A editora, que decolará em julho com o livro "O Sonho Brasileiro - Como Rolim Adolfo Amaro
Criou a TAM e sua Filosofia", do
escritor e jornalista Thales Guaracy, deverá agrupar 14 coleções,
além do selo para crianças A Girafinha, que entra em cena em 2004.
Na escalação inicial dos livros,
que Sena Madureira vai recitando
enquanto olha para "seu laptop"
(um caderninho preto), a ficção
estrangeira é quem manda.
Para a série Nosso Reino Não É
Deste Mundo já estão contratados
trabalhos de primeira importância na literatura do século 20, como os romances "Quarteto de
Alexandria", do anglo-indiano
Lawrence Durrell, ou "Poesia
Completa", com toda a obra do
grego Konstantinos Kavafis.
Poesia, afirma Sena Madureira,
será prioridade d'A Girafa. O gênero não é novidade para o editor
baiano-carioca-paulistano. Na
Imago, primeira casa que dirigiu,
publicou o hoje celebrado livro
"Bagagem", estréia da mineira
Adélia Prado. Na Nova Fronteira
lançou, entre tantos, o monumental "Cantos", de Ezra Pound.
"Editei pelo menos cem livros
de poesia em dez anos de Nova
Fronteira", diz o também poeta,
autor de "Rumor de Facas"
(Companhia das Letras).
Mas é à prosa que o editor prestou mais serviços, publicando autores como Thomas Mann, Italo
Svevo, Robert Musil e Umberto
Eco (pagou apenas US$ 1.000 pelo
best-seller "O Nome da Rosa"), na
Nova Fronteira, e como Hermann
Broch, William Faulkner e John
Cheever, na Siciliano, onde esteve
nos últimos 12 anos. E a lista poderia seguir: Tom Wolfe ("Fogueira das Vaidades" saiu na sua
breve e turbulenta passagem pela
Rocco), Vladimir Nabokov (lançou a obra-prima "Fogo Pálido"
na editora Guanabara) etc.
Não é só desses que Sena Madureira fala com orgulho -e essas
listas de autores prestigiados, mas
às vezes não vendáveis, é que lhe
deram a fama de "cabeça nas nuvens" e inimigo dos departamentos comerciais das editoras. Foi
ele também o editor de parrudos
best-sellers como "Só É Gordo
Quem Quer", auto-ajuda gastronômica de João Uchôa Júnior.
Mas não é apenas com estouros
que se faz uma editora. "As tiragens no Brasil não são altas. Mas o
editor brasileiro conta com uma
fatia fiel, de 3.000 leitores. Já passei pelas piores crises da história
do país. Nunca, apesar das agruras, vi um editor desanimar."
A Girafa começa animada. Sena
Madureira já percorreu Londres,
Paris e Nova York atrás de títulos
e nessa última venceu o primeiro
leilão da editora, arrematando "A
Pílula da Liderança", do bem-sucedido autor de negócios americano Kenneth Blanchard.
A programação de base da editora, que pretende começar lançando quatro livros por mês, está
pronta até maio de 2004.
Sena Madureira pôs os pés no
chão? "Nada. Não mudei, só piorei", diz, soltando a fumaça do
charuto e uma forte gargalhada.
Texto Anterior: Rodapé: Balzac e os escombros do passado Próximo Texto: Livros/lançamentos - "A dócil": Em Dostoiévski, erro humano se entrelaça à ausência de Deus Índice
|