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São Paulo, sábado, 21 de junho de 2003

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MERCADO EDITORIAL

Editor deixa de produzir livros para outros e cria A Girafa, com "a cabeça nas nuvens, os pés no chão"

Após 40 anos, Sena Madureira lança editora

CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Há quem diga que as gravatas-borboleta de Pedro Paulo de Sena Madureira seriam capazes de editar livros sozinhas.
Seus laçarotes viajaram 25 vezes para a Feira do Livro de Frankfurt, principal evento editorial do mundo, conviveram com autores como Milan Kundera, Roland Barthes e Marguerite Yourcenar e assistiram os bastidores de editoras como a Nova Fronteira e a Siciliano. Agora, as gravatas-borboleta partem para a carreira solo.
Aos 56 anos e quase quatro décadas produzindo livros para outros, Sena Madureira está prestes a inaugurar sua primeira casa própria. Em julho ele coloca nas prateleiras os primeiros títulos com o selo A Girafa (nome inspirado em textos de Guimarães Rosa e Murilo Mendes). Atrás de cada exemplar, estará o logotipo, com um girafídeo desenhado por Francesc Petit, e o dístico: "A cabeça nas nuvens, os pés no chão".
Sena Madureira não perde tempo em assumir sua parte do mamífero. "Tenho a cabeça nas nuvens. Por isso chamei para diretor editorial o Fernando, meus pés no chão", afirma. "Não é bem assim", defende-se o Fernando em questão, o escritor e editor Fernando Nuno. "Também tenho cabeça nas nuvens e Pedro Paulo tem sim bastante pé no chão."
Seja lá quem for o "pé" ou a "cabeça" a anatomia real d'A Girafa está definida. Sena Madureira, dono da editora em sociedade com os empresários Antonio Veronezi (Universidade de Guarulhos e Shopping Internacional de Guarulhos, entre outros) e Roberto Vidal (proprietário da gráfica ArtPrinter), diz que vai "sumir".
"Só quero ficar aqui pensando", diz apontando para a sua sala, em um prédio em Higienópolis, decorada com serigrafias de Miró. Nuno é quem fica no timão.
Com 52 anos, o executivo da editora A Girafa não perde feio da gravata-borboleta do patrão. Acompanhado dela, irá em outubro à sua 17ª Feira de Frankfurt.
Pelos seus próprios cálculos, Nuno já editou mais de 3.000 livros, seja na extinta Círculo do Livro, empresa do Grupo Abril onde passou 17 anos, seja nas quase 20 editoras para as quais vem fazendo trabalhos desde 1993. "A única coisa chata de deixar de trabalhar em casa é não poder mais ficar de bermuda e camiseta", brinca, ao lado do chefe dândi.
Com trajes mais compostos, esse tradutor do intrincado romance "O Som e a Fúria", de William Faulkner, e atual adaptador de toda a obra de Shakespeare para jovens, para a editora Objetiva, terá pela frente um extenso conjunto de coleções, forma encontrada por Sena Madureira para agrupar as variadas pernas de A Girafa.
A editora, que decolará em julho com o livro "O Sonho Brasileiro - Como Rolim Adolfo Amaro Criou a TAM e sua Filosofia", do escritor e jornalista Thales Guaracy, deverá agrupar 14 coleções, além do selo para crianças A Girafinha, que entra em cena em 2004.
Na escalação inicial dos livros, que Sena Madureira vai recitando enquanto olha para "seu laptop" (um caderninho preto), a ficção estrangeira é quem manda.
Para a série Nosso Reino Não É Deste Mundo já estão contratados trabalhos de primeira importância na literatura do século 20, como os romances "Quarteto de Alexandria", do anglo-indiano Lawrence Durrell, ou "Poesia Completa", com toda a obra do grego Konstantinos Kavafis.
Poesia, afirma Sena Madureira, será prioridade d'A Girafa. O gênero não é novidade para o editor baiano-carioca-paulistano. Na Imago, primeira casa que dirigiu, publicou o hoje celebrado livro "Bagagem", estréia da mineira Adélia Prado. Na Nova Fronteira lançou, entre tantos, o monumental "Cantos", de Ezra Pound.
"Editei pelo menos cem livros de poesia em dez anos de Nova Fronteira", diz o também poeta, autor de "Rumor de Facas" (Companhia das Letras).
Mas é à prosa que o editor prestou mais serviços, publicando autores como Thomas Mann, Italo Svevo, Robert Musil e Umberto Eco (pagou apenas US$ 1.000 pelo best-seller "O Nome da Rosa"), na Nova Fronteira, e como Hermann Broch, William Faulkner e John Cheever, na Siciliano, onde esteve nos últimos 12 anos. E a lista poderia seguir: Tom Wolfe ("Fogueira das Vaidades" saiu na sua breve e turbulenta passagem pela Rocco), Vladimir Nabokov (lançou a obra-prima "Fogo Pálido" na editora Guanabara) etc.
Não é só desses que Sena Madureira fala com orgulho -e essas listas de autores prestigiados, mas às vezes não vendáveis, é que lhe deram a fama de "cabeça nas nuvens" e inimigo dos departamentos comerciais das editoras. Foi ele também o editor de parrudos best-sellers como "Só É Gordo Quem Quer", auto-ajuda gastronômica de João Uchôa Júnior.
Mas não é apenas com estouros que se faz uma editora. "As tiragens no Brasil não são altas. Mas o editor brasileiro conta com uma fatia fiel, de 3.000 leitores. Já passei pelas piores crises da história do país. Nunca, apesar das agruras, vi um editor desanimar."
A Girafa começa animada. Sena Madureira já percorreu Londres, Paris e Nova York atrás de títulos e nessa última venceu o primeiro leilão da editora, arrematando "A Pílula da Liderança", do bem-sucedido autor de negócios americano Kenneth Blanchard.
A programação de base da editora, que pretende começar lançando quatro livros por mês, está pronta até maio de 2004.
Sena Madureira pôs os pés no chão? "Nada. Não mudei, só piorei", diz, soltando a fumaça do charuto e uma forte gargalhada.



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