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Estrela difícil
Cobiçado desde a primeira edição da Flip, o lacônico Prêmio Nobel J.M. Coetzee finalmente vem
ao Brasil; evento acontece entre 4 e 8 de julho
MARCOS STRECKER
DA REPORTAGEM LOCAL
O personagem é complicado.
Digo, o autor. O Prêmio Nobel
sul-africano J.M. Coetzee, a
maior estrela da Flip 2007
(Festa Literária Internacional
de Parati), é famoso por ser lacônico e arredio, e não foi diferente ao "falar" com a Folha
(só aceita entrevistas por e-mail). Não respondeu à maioria das perguntas e foi evasivo
nas respostas.
Coetzee é autor de "De-
sonra", retrato cruel da África
do Sul pós-apartheid, da amarga alegoria política "À Espera
dos Bárbaros", da memória
cáustica londrina "Juventude"
e do irônico "Elizabeth Costel-
lo". Esse ex-programador da
IBM, matemático, professor,
crítico e um dos maiores nomes da literatura contemporânea vem lançar "Homem Lento", seu romance mais recente.
O público que puder encontrar o autor em Paraty, no badalado encontro literário que
acontece de 4 a 8 de julho, vai
ter a oportunidade de acompanhar o escritor nascido na Cidade do Cabo lendo trechos da
sua última obra. No último dia
da Flip, quando convidados do
evento apresentam seus livros
de cabeceira, Coetzee vai ler
trechos escritos por um dos autores com quem mais tem afinidade e cuja obra foi tema de
sua tese de doutorado, nos
anos 60: Samuel Beckett.
"Homem Lento" tem como
personagem central um homem idoso e amargurado, que
vive em Adelaide (Austrália),
tem a perna amputada após um
acidente, é atraído por uma enfermeira imigrante e acaba
confrontado pela veterana escritora Elizabeth Costello, genial personagem que pode a
qualquer momento ser introduzida em suas narrativas.
Costello representa o escritor? Resposta (na forma de
pergunta): "Deus, ou o "espírito
do tempo", utilizam (como alguns escritores parecem acreditar) escritores para se expressarem na narrativa conhecida como história? Respostas
a questões como essa são menos importantes que o sentimento desconcertante de ser
um personagem de uma história que é maior do que podemos enxergar, um sentimento
que todos nós experimentamos
uma vez ou outra".
Coetzee transita entre ficção
e realidade, destila ironia,
aposta na racionalidade (enquanto Beckett brincava com a
lógica), explora dilemas morais. É um dos raros autores
que têm estatura para expandir
os limites da literatura. E seu
uso recorrente da metalinguagem, da qual Costello é um
bom exemplo?
Ele lembra "Dom Quixote",
na famosa passagem da obra de
Cervantes em que um homem
diz a Dom Quixote e a Sancho
Pança que eles são personagens de um livro do próprio
Cervantes. "Esse é um momento complexo tanto para o leitor
quanto para os dois personagens. Estou interessado nesse
momento -o momento metaficcional. Mas estou mais interessado no momento vivido pelo personagem do que na vida
do leitor." Entendeu?
Identidade
Coetzee tem fama de ser disciplinado e de cultivar hábitos
estritos, de não beber, não fumar e de ser um vegetariano
convicto. O que acha o escritor
-que já morou em Londres, viveu e deu aulas nos EUA e agora
radicou-se na Austrália- do
apelo crescente de narrativas
que exploram temas como
identidade, multiculturalismo
e mundo pós-colonial?
"Não sei. Mas sei que o conceito de identidade está repleto
de significados. Antigamente a
identidade era aquilo em que
menos nos reconhecíamos. Era
uma cobertura que mantinha
as partes do nosso eu ou do nosso ego em uma unidade. A idéia
atual de identidade é muito
menos interessante. Para a polícia, é uma série de dados que
servem para se rastrear alguém. Para fraudadores de
computador, a identidade de
alguém é um número de identificação e uma senha. Para estudos culturais, é mais fácil. A
identidade é composta de etnia
(ou raça), de gênero (ou orientação sexual) e (talvez) de classe social."
E sobre os evidentes pontos
de contato entre ele e outro
grande nome da literatura contemporânea, Philip Roth? Sem
resposta.
Mas definitivamente
Coetzee fica incomodado
quando questionado sobre sua
fama de arredio a festas e eventos literários (foi o primeiro autor agraciado duas vezes com o
Booker Prize, mas não esteve
presente em nenhuma delas
para receber). Sempre foi um
dos maiores "objetos de desejo"
da Flip, que queria trazê-lo desde a primeira edição, mas as
tentativas sempre fracassaram.
E por que agora ele aceitou o
convite para vir a Paraty? "Porque me convidaram, porque
meus editores disseram que tenho um público atento e porque nunca estive no Brasil."
Ah!, bom...
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