São Paulo, quinta-feira, 21 de junho de 2007

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Estrela difícil

Cobiçado desde a primeira edição da Flip, o lacônico Prêmio Nobel J.M. Coetzee finalmente vem ao Brasil; evento acontece entre 4 e 8 de julho

MARCOS STRECKER
DA REPORTAGEM LOCAL

O personagem é complicado. Digo, o autor. O Prêmio Nobel sul-africano J.M. Coetzee, a maior estrela da Flip 2007 (Festa Literária Internacional de Parati), é famoso por ser lacônico e arredio, e não foi diferente ao "falar" com a Folha (só aceita entrevistas por e-mail). Não respondeu à maioria das perguntas e foi evasivo nas respostas.
Coetzee é autor de "De- sonra", retrato cruel da África do Sul pós-apartheid, da amarga alegoria política "À Espera dos Bárbaros", da memória cáustica londrina "Juventude" e do irônico "Elizabeth Costel- lo". Esse ex-programador da IBM, matemático, professor, crítico e um dos maiores nomes da literatura contemporânea vem lançar "Homem Lento", seu romance mais recente.
O público que puder encontrar o autor em Paraty, no badalado encontro literário que acontece de 4 a 8 de julho, vai ter a oportunidade de acompanhar o escritor nascido na Cidade do Cabo lendo trechos da sua última obra. No último dia da Flip, quando convidados do evento apresentam seus livros de cabeceira, Coetzee vai ler trechos escritos por um dos autores com quem mais tem afinidade e cuja obra foi tema de sua tese de doutorado, nos anos 60: Samuel Beckett.
"Homem Lento" tem como personagem central um homem idoso e amargurado, que vive em Adelaide (Austrália), tem a perna amputada após um acidente, é atraído por uma enfermeira imigrante e acaba confrontado pela veterana escritora Elizabeth Costello, genial personagem que pode a qualquer momento ser introduzida em suas narrativas.
Costello representa o escritor? Resposta (na forma de pergunta): "Deus, ou o "espírito do tempo", utilizam (como alguns escritores parecem acreditar) escritores para se expressarem na narrativa conhecida como história? Respostas a questões como essa são menos importantes que o sentimento desconcertante de ser um personagem de uma história que é maior do que podemos enxergar, um sentimento que todos nós experimentamos uma vez ou outra".
Coetzee transita entre ficção e realidade, destila ironia, aposta na racionalidade (enquanto Beckett brincava com a lógica), explora dilemas morais. É um dos raros autores que têm estatura para expandir os limites da literatura. E seu uso recorrente da metalinguagem, da qual Costello é um bom exemplo?
Ele lembra "Dom Quixote", na famosa passagem da obra de Cervantes em que um homem diz a Dom Quixote e a Sancho Pança que eles são personagens de um livro do próprio Cervantes. "Esse é um momento complexo tanto para o leitor quanto para os dois personagens. Estou interessado nesse momento -o momento metaficcional. Mas estou mais interessado no momento vivido pelo personagem do que na vida do leitor." Entendeu?

Identidade
Coetzee tem fama de ser disciplinado e de cultivar hábitos estritos, de não beber, não fumar e de ser um vegetariano convicto. O que acha o escritor -que já morou em Londres, viveu e deu aulas nos EUA e agora radicou-se na Austrália- do apelo crescente de narrativas que exploram temas como identidade, multiculturalismo e mundo pós-colonial?
"Não sei. Mas sei que o conceito de identidade está repleto de significados. Antigamente a identidade era aquilo em que menos nos reconhecíamos. Era uma cobertura que mantinha as partes do nosso eu ou do nosso ego em uma unidade. A idéia atual de identidade é muito menos interessante. Para a polícia, é uma série de dados que servem para se rastrear alguém. Para fraudadores de computador, a identidade de alguém é um número de identificação e uma senha. Para estudos culturais, é mais fácil. A identidade é composta de etnia (ou raça), de gênero (ou orientação sexual) e (talvez) de classe social."
E sobre os evidentes pontos de contato entre ele e outro grande nome da literatura contemporânea, Philip Roth? Sem resposta.
Mas definitivamente Coetzee fica incomodado quando questionado sobre sua fama de arredio a festas e eventos literários (foi o primeiro autor agraciado duas vezes com o Booker Prize, mas não esteve presente em nenhuma delas para receber). Sempre foi um dos maiores "objetos de desejo" da Flip, que queria trazê-lo desde a primeira edição, mas as tentativas sempre fracassaram.
E por que agora ele aceitou o convite para vir a Paraty? "Porque me convidaram, porque meus editores disseram que tenho um público atento e porque nunca estive no Brasil." Ah!, bom...


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