São Paulo, domingo, 21 de junho de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Mônica Bergamo

bergamo@folhasp.com.br

Funk de butique

Heloisa Faissol chocou a família, da elite carioca, e até o cunhado João Gilberto ao virar funkeira -ou Helô Quebra-Mansão, como é conhecida nos morros do Rio. Por Audrey Furlaneto

Rafael Andrade/Folha Imagem
Heloisa Faissol, com seu cachorro Nietzsche, no apartamento que o pai colocou à venda na zona sul do Rio

Uma mulher bonita abre a porta de um apartamento de 500 m2 quase vazios. Fez balé durante o dia e ainda usa a calça de lycra da aula, combinada com uma echarpe de lãzinha creme para se proteger do frio ameno no inverno carioca. O corredor do apartamento no Flamengo (zona sul do Rio) tem as paredes cobertas por espelhos e piso de mármore. Não há móveis na sala com nove janelas enormes que dão vista para o Pão de Açúcar.
Heloisa Faissol, 38, pouco passa por lá: usa só parte da casa depois que a mãe, Suely, se mudou e desde que o pai, o dentista dos endinheirados cariocas Olympio Faissol, célebre por tratar, entre outros, o ex-presidente Fernando Collor, colocou o imóvel à venda.

 


A pobre menina rica se distanciou do pedigree não só pela pouca mobília. Sua echarpe creme dá lugar a outra, a preta, para compor seu novo visual, o de funkeira. Sim, a socialite virou funkeira. Dos tempos de prosecco e das dezenas de sofás para os convidados, ficaram só as echarpes.
Entrou a letra de seu primeiro funk -e o horror da família. A garota que morou na Suíça e estudou moda em Paris escreveu "Dou pra Cachorro".
 


A letra: "Ai, ai, ai, ai, ai, ai/ Para não, tá bom demais/ Ai, ai, ai, ai, ai/ Vem com tudo, eu quero mais/ Tô fervendo, tô no ponto/ Eu dou no primeiro encontro/ Se você for tarado, vem que eu gosto do babado/ Vem com tudo, nesse clima/ Ou me come, ou sai de cima/ Vem por trás, meu cachorrinho/ Também gosto do bichinho/ Se você não me acalmar, baby, a fila vai andar/ Não nasci pra ser noviça/ Então, vê se não me atiça/ Mostra que tu é meu macho/ E sossega esse meu facho/ Tô ficando molhadinha/ Quero ser sua bonequinha/ Ai, ai, ai, ai, ai/ Para não, tá bom demais".
 


A família ouviu e não achou bom. A mãe disse à coluna que preferia não comentar e indicou o pai. Aos 76 anos, Olympio Faissol tem a voz embargada ao falar da filha: "Você tem filhos? A melhor coisa pra ensinar a gente é um filho". "Não fomos nós que nos distanciamos dela.
Temos uma família tradicional, de hábitos tradicionais, e o que ela está fazendo a distanciou de nós. Contudo, ela é minha filha, e eu amo a minha filha, como amo todas as outras. Estou tentando ajudá-la, mas é necessário que aceite ajuda", desabafa.
Com a voz ainda mais embargada, reconhece que o funk não "é da cartilha da família" e lamenta: "Eu consigo falar com ela por internet, por e-mail, mas ela não me atende, ela não me recebe. Como pai, tenho que aceitá-la como ela é. Ela é minha filha".
 


As irmãs, conta Helô, dizem estar "em depressão", e o cunhado João Gilberto, ainda segundo ela, a declarou louca. "Morri de rir. A visão dele é de uma pessoa de outra geração. Pô, o João achar que eu sou louca! Será que ele se acha 100% normal?", diz.
 


A irmã Cláudia, que também foi notícia quando assumiu que sua filha, Luisa, era filha de João Gilberto, com quem vive hoje, diz que a família não tachou sua irmã de louca. "Não tem nada disso, ela é supercompetente. Mas a competência foi manejada de uma forma errada.
Ela sabe pintar, criar, esculpir e até compor, mas está usando a criatividade para uma coisa que a gente não acha muito produtiva", afirma. A família vê nela "um talento enorme, incrível, mas que está sendo subutilizado".
 


Helô se justifica com um "Não tô matando, não tô roubando, não tô mentindo, não tô traindo". E ainda completa: "Pode ser que a primeira música não seja lá algo com fundamentos e conteúdos maravilhosos, mas a minha intenção com o funk é bacana".
 


Além de "Dou pra Cachorro", ela fez o "Funk da Galinha", com o refrão "Có, có, córicó/ Te dou mole, dou sem dó". "O produtor achou minha linguagem um pouco careta para o funk, disse pra eu dar uma apimentada e sugeriu termos mais... é... picantes. Achei forte. Mas, como eu já tinha ido a bailes e visto que a coisa era muito mais exposta, achei que minha letra não ia ter problema nenhum, entende?"
 


DJ Marlboro, o principal produtor de funk do Rio, não gostou e disse que não tocará a música de Helô em shows. "O funk não tem preconceito com ninguém", diz. "Mas tem que ter responsabilidade, porque atinge muita gente, até crianças.
Quando vê o pessoal da comunidade cantando letras erotizadas, você entende. É a realidade deles. Mas a Faissol, que tem uma vida normal, poderia direcionar a música para uma coisa boa."
 


No morro da Providência (centro), primeira favela do país, o MC Mágico, de "Hoje Eu Tô Facinho", diz que "a galera tá adquirindo geral" (o funk vem sendo tocado nos bailes).
"É maneiro! Tá bombando. E, pra funk de hoje, tá leve, viu?" Em alguns bailes, a nova funkeira ganhou apelido de Helô Quebra-Mansão -versão chique de Tati Quebra-Barraco, uma das principais cantoras do funk carioca.
 


Helô, no entanto, está longe de quebrar qualquer mansão. Diz que vive "apertadamente" com a pensão que recebe do ex-marido, o dentista René Gerdes, e que não tem apoio financeiro da família. "Ela tem 40 anos. Até que idade você acha que uma pessoa tem que ser ajudada?", diz o pai da funkeira. Ela até ficou noiva de novo, de "um suíço careta", mas não deu certo, porque "ainda pensava muito no Chico [Buarque]".
Por meses, Helô subornou garçons de bares do Leblon, para que ligassem caso o músico aparecesse, e chegou a cobrir de beijos a porta do apartamento de Chico. "Eu ligava tanto, e ele me atendia sempre, até o dia em que falou: "Pô, Helô, assim não dá! Eu preciso trabalhar!'", conta ela.
 


Na casa dela, o prosecco deu lugar à cerveja, que "é ótima e não dá ressaca". "Você toma uma latinha?", oferece à repórter e acende um cigarro. Não que não tenha saudade do caviar. "Olha, eu gosto do que é bom. O ideal seria ir à comunidade, sentar numa mesinha e pedir um sushi de ovas, um califórnia, um tempura pra todo mundo [ri].
Seria hipocrisia minha dizer que prefiro comer dobradinha a uma coisa que eu gosto." Sua vida, agora, tem sido ir ao morro da Babilônia, no centro, para o baile ou "para tomar umas no bar do Bira com os amigos da comunidade".
 


Ainda "sem grana" para gravar CD, Helô marcou dois shows em São José dos Campos (SP). "Vai ser a primeira vez em que eu vou ganhar dinheiro na vida", orgulhava-se. Mas acabou desmarcando a estreia para se "preparar melhor" para o palco. "Aliás, tem como você divulgar meu site? Tem muitas fotos minhas lá." É www.eloisafaissol.com.


Texto Anterior: José Simão: Ueba! Gisele não encolhe a barriga!
Próximo Texto: Retrato de Oscar Wilde
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.