São Paulo, segunda-feira, 21 de junho de 2010

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ANÁLISE ARQUITETURA

Casa em SP aflora tempero de Lina Bo Bardi

Projeto desenhado pela arquiteta em 1958 no Morumbi vai a leilão na quarta; lance inicial é de R$ 2,7 milhões

Divulgação
Vista da varanda e da piscina de casa projetada por Lina, com mescla de figuras geométricas e materiais como sapé

FERNANDO SERAPIÃO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Lina Bo Bardi tem importância ímpar para a cultura brasileira. Deixando para trás uma Itália arrasada pela Segunda Guerra, sua bagagem trouxe a desconfiança da associação entre progresso e tecnologia. Assim, a partir de um entendimento particular do Brasil, ela foi pioneira em mesclar o erudito e o popular. Deixou essa marca em tudo o que realizou, seja em sua participação na criação do conceito do Masp, nos móveis que desenhou, na edição de uma revista de arte, a "Habitat", ou ainda na influência que exerceu no amadurecimento do tropicalismo na Bahia, de Glauber Rocha a Caetano Veloso. Se isso não bastasse, foi uma arquiteta bissexta: entre intervenções e edifícios, sua obra não chega a 20 exemplares. Mas é um trabalho forte e único, com obras-primas como o Masp e o Sesc Pompeia, e que iniciou uma linha de pensamento na arquitetura brasileira. Por sorte, a maioria de seus edifícios é público, pertencem a instituições. Ela sonhava em desenhar casas populares: "Tenho horror em projetar casas para madames, onde entra aquela conversa insípida em torno da discussão de como vão ser as cortinas...", escreveu. Das moradias que ela desenhou apenas três foram construídas: a Casa de Vidro (onde ela morava), a casa que será leiloada na próxima quarta e uma em Salvador que foi demolida para dar lugar a um prédio comum. A casa que vai a leilão, em Sao Paulo, é o primeiro projeto em que aflorou o tempero que a marcou. Do lado erudito, a planta foi criada com figuras geométricas básicas (quadrado e triângulo) e o volume principal é coberto por laje plana e jardim, ou seja, com tecnologia de ponta. Pelo viés popular, a espacialidade e os materiais são simples: o revestimento das paredes externas, por exemplo, é feito com pedras e cacos de cerâmicas e possui buracos para a vegetação. Na década de 1970, ela foi reformada por um arquiteto da moda: perdeu a cobertura de sapé da varanda (agora com telhas) e as treliças das aberturas e ganhou uma ala nova de dormitórios. Nada que não possa ser repensado pelo futuro proprietário. Apesar de sua importância cultural, a casa não é protegida por nenhuma espécie de tombo: se o Estado e a sociedade lhe deram as costas, para ela ser conservada resta que algum admirador endinheirado lhe arremate. Se isso ocorrer, e ele for bem-intencionado, saberemos se o recente aquecimento da economia está preocupado somente com "as discussões de como vão ser as cortinas" ou se sobrou algum trocado para a cultura.


O arquiteto Fernando Serapião é editor-executivo da revista "Projeto Design".


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