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Ostermeier dialoga com o tempo
Divulgação
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O alemão Thomas Ostermeier, diretor de "A Morte de Danton" |
Dramaturgo revigora o teatro alemão e apresenta
hoje "A Morte de Danton" no Festival de Avignon
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FABIO CYPRIANO
EM BERLIM
Há dois anos, o diretor Thomas
Ostermeier foi o protagonista de
uma revolução nos palcos alemães, ao assumir, com 31 anos, o
lendário teatro Schaubühne, de
Berlim, casa que já teve à frente o
dramaturgo Peter Stein.
Hoje, com sua montagem de "A
Morte de Danton", Ostermeier
reconquista também a cidade de
Avignon, na França, ao apresentar a peça no importante festival
de teatro da cidade.
Decadente há vários anos, o
Schaubühne precisava de sangue
novo. Ostermeier tornou-se o
personagem ideal para tanto, com
sua fama de inovador e radical à
frente do Baracke, um grande
contêiner transformado em anexo do Deutsches Theater.
Com sua encenação de "Shopping and Fucking", de Mark Ravenhill, em 1998, o diretor lotou o
espaço por meses com uma nova
geração de espectadores e ganhou
prêmios na Alemanha. Em 1999,
levou a peça para o Festival de
Avignon.
Ostermeier entrou para o
Schaubühne também para levar o
público jovem. Mas recusou-se a
ser o único diretor artístico do
teatro: por sua própria indicação,
trouxe a coreógrafa Sacha Waltz e
ainda os dramaturgos com quem
ambos trabalham.
Em entrevista por e-mail à Folha, antes de embarcar para a
França, Ostermeier faz um balanço de sua gestão e conta sobre a
montagem de "A Morte de Danton".
Discreto, ele fala indiretamente
dos problemas que vem tendo
com a administração do teatro e
das dificuldades com a crítica alemã -desde que assumiu o teatro,
o diretor não obteve sucesso com
nenhuma peça, sendo que já dirigiu cinco.
Entretanto deixa claro que está
"recomeçando o trabalho" e, apesar de ter um contrato de seis
anos, decide no ano que vem
-na metade do prazo- se permanece à frente do teatro. Leia a
seguir os melhores trechos da entrevista.
Folha - Depois de quase dois anos
como um dos diretores do Schaubühne, como você avalia esse período?
Thomas Ostermeier - Para mim,
o Schaubühne é um projeto. Nós
não nos preocupamos com sucesso rápido ou com a mera realização de projetos razoáveis. Nós
construímos uma companhia e
evitamos trabalhar com artistas
renomados e convidados caros.
Nós nos arriscamos ao apresentar
novos dramas e vários escritores
desconhecidos, em vez de apresentar peças clássicas usuais.
É surpreendente a quantidade
de jovens que nos procuram, eles
mudaram o público do teatro em
quase 100%. Vai levar um certo
tempo até que o público antigo e
mais tradicional confie na nossa
seleção de peças. Claro que a imprensa teve uma grande influência. No início eles nos "hyparam"
muito, e agora vários críticos estão céticos. Mas é apenas uma situação ideal quando não se desaponta ninguém em nenhum caso:
agora temos mais espaço e podemos recomeçar.
Folha - É melhor trabalhar num
espaço tão imponente como o
Schaubühne ou você tinha mais liberdade no Baracke?
Ostermeier - Não havia meios de
continuar no Baracke. Precisávamos de melhores bases de trabalho para nossas idéias e tínhamos
que desenvolvê-las de uma forma
artística adequada. Isso não pode
acontecer quando se está sempre
limitado às mais baixas condições
e com poucos recursos. Por tudo
isso, o Schaubühne é o local para
levar ao limite certas idéias, para
colaborar de forma mais avançada com outros escritores e teatros,
para trabalhar com grandes grupos e para experimentar com
maiores e melhores cenários.
Naturalmente, sempre há um
preço para isso: mais burocracia e
dificuldades de comunicação
com tal número de artistas, técnicos e administradores. Além do
mais, a acústica da catedral de
concreto que é o Schaubühne é
muito pior do que imaginávamos...
Folha - Por que você decidiu encenar "A Morte de Danton"?
Ostermeier - Büchner é um autor
jovem e radical, como todos os
outros escritores que tenho interesse e os que apresento no
Schaubühne.
Apesar de estar num teatro
acostumado a estréias mundiais,
sempre estive interessado em autores do início do século passado,
como Brecht, Horváth e Fleisser.
Eles são nossas raízes, estiveram à
frente de seu tempo, tomaram
parte de um movimento de reforma e sempre estiveram preocupados com a realidade social da época.
Büchner é o predecessor desse
movimento. Ele trouxe uma nova
cor à dramaturgia, algo muito direto. Eu compartilho de seu desejo por mudanças revolucionárias
e de sua frustração sobre o desenvolvimento das transformações.
Folha - Em certa ocasião, você
disse que uma peça, mesmo clássica, deveria falar sobre os reais conflitos no mundo. De que forma "A
Morte de Danton" trata do presente?
Ostermeier - Não temos nenhuma revolução em mente, mas somos familiares com a idéia. A peça, escrita em 1835, trata da revolução que faliu. Ela mostra claramente o desapontamento de
Büchner, que disse que a sociedade não é capaz de grandes mudanças. Mas eu creio que "A Morte de Danton" fala mais sobre a alma humana do que de política. O
puritanismo de Robespierre e o
hedonismo de Danton podem ser
vistos como duas almas no coração de Büchner.
Folha - Encenar clássicos sempre
traz comparações, ao passo que novas peças podem dar mais liberdade. O que você prefere?
Ostermeier - Tanto faz, não faço
diferenciação. Tudo sempre depende do autor e da peça. Mas
confesso que a poesia dos autores
vivos e histórias atuais estão mais
próximas de mim. Também porque é a única forma de descobrir
os clássicos de amanhã. Quando
se tem um teatro de autores mortos, como na Alemanha, a longo
prazo o teatro irá morrer também.
Como tenho me ocupado muito
com autores contemporâneos, às
vezes é importante fazer diálogo
com textos antigos. É como investigar de onde viemos, qual o tipo
de objetivo que os autores possuíam em outros períodos, qual o
tipo de linguagem e que forma
eles usavam, em que sociedade
eles viviam.
Folha - Berlim passa por uma
grande crise relacionada com financiamento cultural. Por que isso
está ocorrendo?
Ostermeier - Berlim é uma velha
cidade, com muita história e instituições de prestígio. O patrimônio cultural e a cultura underground são dois movimentos importantes que se relacionam. A
produção cultural é, no momento, maior do que a própria administração da cidade pode suportar. Por isso, Berlim pode sobreviver apenas com a ajuda do governo federal e o apoio de outros países. Mas há uma grande hesitação,
pois eles têm medo de que Berlim
torne-se muito influente novamente, e sabe-se que a cidade tem
uma energia anarquista muito
grande. Não somos como o resto
do país. Seria uma pena se a cultura berlinense se estagnasse por receios.
Folha - Você já disse que o teatro
está sempre em busca de algo.
Qual é sua busca agora?
Ostermeier - Procuro peças que
mostrem a tragédia cotidiana, a
inconsciência da sociedade, coisas de que as pessoas não gostam
de falar.
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