São Paulo, sábado, 21 de julho de 2001

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Ostermeier dialoga com o tempo

Divulgação
O alemão Thomas Ostermeier, diretor de "A Morte de Danton"



Dramaturgo revigora o teatro alemão e apresenta hoje "A Morte de Danton" no Festival de Avignon


FABIO CYPRIANO
EM BERLIM

Há dois anos, o diretor Thomas Ostermeier foi o protagonista de uma revolução nos palcos alemães, ao assumir, com 31 anos, o lendário teatro Schaubühne, de Berlim, casa que já teve à frente o dramaturgo Peter Stein.
Hoje, com sua montagem de "A Morte de Danton", Ostermeier reconquista também a cidade de Avignon, na França, ao apresentar a peça no importante festival de teatro da cidade.
Decadente há vários anos, o Schaubühne precisava de sangue novo. Ostermeier tornou-se o personagem ideal para tanto, com sua fama de inovador e radical à frente do Baracke, um grande contêiner transformado em anexo do Deutsches Theater.
Com sua encenação de "Shopping and Fucking", de Mark Ravenhill, em 1998, o diretor lotou o espaço por meses com uma nova geração de espectadores e ganhou prêmios na Alemanha. Em 1999, levou a peça para o Festival de Avignon.
Ostermeier entrou para o Schaubühne também para levar o público jovem. Mas recusou-se a ser o único diretor artístico do teatro: por sua própria indicação, trouxe a coreógrafa Sacha Waltz e ainda os dramaturgos com quem ambos trabalham.
Em entrevista por e-mail à Folha, antes de embarcar para a França, Ostermeier faz um balanço de sua gestão e conta sobre a montagem de "A Morte de Danton".
Discreto, ele fala indiretamente dos problemas que vem tendo com a administração do teatro e das dificuldades com a crítica alemã -desde que assumiu o teatro, o diretor não obteve sucesso com nenhuma peça, sendo que já dirigiu cinco.
Entretanto deixa claro que está "recomeçando o trabalho" e, apesar de ter um contrato de seis anos, decide no ano que vem -na metade do prazo- se permanece à frente do teatro. Leia a seguir os melhores trechos da entrevista.

Folha - Depois de quase dois anos como um dos diretores do Schaubühne, como você avalia esse período?
Thomas Ostermeier -
Para mim, o Schaubühne é um projeto. Nós não nos preocupamos com sucesso rápido ou com a mera realização de projetos razoáveis. Nós construímos uma companhia e evitamos trabalhar com artistas renomados e convidados caros. Nós nos arriscamos ao apresentar novos dramas e vários escritores desconhecidos, em vez de apresentar peças clássicas usuais.
É surpreendente a quantidade de jovens que nos procuram, eles mudaram o público do teatro em quase 100%. Vai levar um certo tempo até que o público antigo e mais tradicional confie na nossa seleção de peças. Claro que a imprensa teve uma grande influência. No início eles nos "hyparam" muito, e agora vários críticos estão céticos. Mas é apenas uma situação ideal quando não se desaponta ninguém em nenhum caso: agora temos mais espaço e podemos recomeçar.

Folha - É melhor trabalhar num espaço tão imponente como o Schaubühne ou você tinha mais liberdade no Baracke?
Ostermeier -
Não havia meios de continuar no Baracke. Precisávamos de melhores bases de trabalho para nossas idéias e tínhamos que desenvolvê-las de uma forma artística adequada. Isso não pode acontecer quando se está sempre limitado às mais baixas condições e com poucos recursos. Por tudo isso, o Schaubühne é o local para levar ao limite certas idéias, para colaborar de forma mais avançada com outros escritores e teatros, para trabalhar com grandes grupos e para experimentar com maiores e melhores cenários.
Naturalmente, sempre há um preço para isso: mais burocracia e dificuldades de comunicação com tal número de artistas, técnicos e administradores. Além do mais, a acústica da catedral de concreto que é o Schaubühne é muito pior do que imaginávamos...

Folha - Por que você decidiu encenar "A Morte de Danton"?
Ostermeier -
Büchner é um autor jovem e radical, como todos os outros escritores que tenho interesse e os que apresento no Schaubühne.
Apesar de estar num teatro acostumado a estréias mundiais, sempre estive interessado em autores do início do século passado, como Brecht, Horváth e Fleisser. Eles são nossas raízes, estiveram à frente de seu tempo, tomaram parte de um movimento de reforma e sempre estiveram preocupados com a realidade social da época.
Büchner é o predecessor desse movimento. Ele trouxe uma nova cor à dramaturgia, algo muito direto. Eu compartilho de seu desejo por mudanças revolucionárias e de sua frustração sobre o desenvolvimento das transformações.

Folha - Em certa ocasião, você disse que uma peça, mesmo clássica, deveria falar sobre os reais conflitos no mundo. De que forma "A Morte de Danton" trata do presente?
Ostermeier -
Não temos nenhuma revolução em mente, mas somos familiares com a idéia. A peça, escrita em 1835, trata da revolução que faliu. Ela mostra claramente o desapontamento de Büchner, que disse que a sociedade não é capaz de grandes mudanças. Mas eu creio que "A Morte de Danton" fala mais sobre a alma humana do que de política. O puritanismo de Robespierre e o hedonismo de Danton podem ser vistos como duas almas no coração de Büchner.

Folha - Encenar clássicos sempre traz comparações, ao passo que novas peças podem dar mais liberdade. O que você prefere?
Ostermeier -
Tanto faz, não faço diferenciação. Tudo sempre depende do autor e da peça. Mas confesso que a poesia dos autores vivos e histórias atuais estão mais próximas de mim. Também porque é a única forma de descobrir os clássicos de amanhã. Quando se tem um teatro de autores mortos, como na Alemanha, a longo prazo o teatro irá morrer também.
Como tenho me ocupado muito com autores contemporâneos, às vezes é importante fazer diálogo com textos antigos. É como investigar de onde viemos, qual o tipo de objetivo que os autores possuíam em outros períodos, qual o tipo de linguagem e que forma eles usavam, em que sociedade eles viviam.

Folha - Berlim passa por uma grande crise relacionada com financiamento cultural. Por que isso está ocorrendo?
Ostermeier -
Berlim é uma velha cidade, com muita história e instituições de prestígio. O patrimônio cultural e a cultura underground são dois movimentos importantes que se relacionam. A produção cultural é, no momento, maior do que a própria administração da cidade pode suportar. Por isso, Berlim pode sobreviver apenas com a ajuda do governo federal e o apoio de outros países. Mas há uma grande hesitação, pois eles têm medo de que Berlim torne-se muito influente novamente, e sabe-se que a cidade tem uma energia anarquista muito grande. Não somos como o resto do país. Seria uma pena se a cultura berlinense se estagnasse por receios.

Folha - Você já disse que o teatro está sempre em busca de algo. Qual é sua busca agora?
Ostermeier -
Procuro peças que mostrem a tragédia cotidiana, a inconsciência da sociedade, coisas de que as pessoas não gostam de falar.



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