São Paulo, sábado, 21 de julho de 2001

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WALTER SALLES

Revisitando o pop

Popular . Provisório. Produzido em série. Acessível. Divertido. Erótico. Astucioso. E facilmente esquecível.
Foi assim que o artista plástico Richard Hamilton definiu o que era o movimento pop logo depois da primeira manifestação organizada por um grupo de artistas, arquitetos e pensadores ingleses em 1956, intitulada "This Is Tomorrow". Mais um estado de espírito do que um movimento, aliás, que contaminou todas as formas de expressão, refutou as "belas-artes" e aproximou-se da pulsação da rua.
Do nascimento do pop até hoje, muitas pedras rolaram. O que é pop hoje? Britney Spears, de mãe a tiracolo, é pretensamente pop -além de pretensamente virgem. Anúncios garantem que este ou aquele produto é pop. Quase tudo, em suma, pode ser pop.
Ou não. Para tornar as coisas um pouco mais claras, uma grande exposição intitulada "Os Anos Pop" tomou conta do museu Beaubourg, na França, e passa agora a percorrer vários outros países. Marcadamente histórica e mergulhando nas raízes do movimento, essa retrospectiva "agit-pop" ajuda a entender as duas faces de um mesmo fenômeno. De um lado, o pop como caixa de ressonância das vanguardas dos anos 50 e 60. Do outro, o pop como uma importante ferramenta de marketing, intimamente ligada à expansão do mercado consumidor do pós-guerra.
Essa tendência é facilmente perceptível. Desde os anos 50, a oferta de produtos para jovens multiplica-se. A identificação com uma ou outra marca torna-se essencial para a sobrevivência dos diferentes bens de consumo. "O pop é a cultura do mercado moderno", resume o escritor e crítico americano Greil Marcus na revista francesa "Inrockuptibles". "Veja o campeão de golfe Tiger Woods. Ele não aparece mais sem o boné da Nike. Esse cara é um escravo -ele pertence à Nike. E isso sempre fez parte da cultura pop: a relação com os produtos."
Ambíguo por excelência, o pop foi também um movimento periférico, transgressor e marginal, na contramão do mercado. E, também, político, numa época marcada pela Guerra Fria e pela descolonização. "Antes do pop, os negros, as mulheres e os jovens contavam pouco. Quando o pop se infiltrou na música, nos filmes, na sexualidade, definindo novos modelos comportamentais, tudo mudou. Não se perguntava mais "donde você vem" e sim "o que você tem a dizer'", retoma Marcus.
Jasper Johns desconstruindo a bandeira americana, Fahlström trocando o símbolo da Esso por LSD, o lúbrico Felix the Cat botando o desenho animado de pernas para o ar, o filme "Sem Destino" confrontando a violência endêmica dos EUA, Basquiat grafitando nas ruas de Nova York, todos são, a princípio, gestos de uma cultura pop à contracorrente. Mas nenhum artista sintetizou tão perfeitamente a dicotomia pop -o seu lado consensual e sua face contestatória- quanto Andy Warhol.
Reproduzindo à exaustão as imagens de bens de consumo (as sopas Campbell) ou os ícones do seu tempo (de Marilyn a Mao), Warhol recuperou não só a temática mas também a técnica de multiplicação das mídias populares da época. Até suas frases eram imbuídas dessa ambivalência. "Amo Hollywood. Todo mundo é de plástico, e eu amo o plástico", dizia.
Sua Factory, o estúdio em que Warhol reinava em Nova York, foi o ponto de encontro entre a pop art e o pop-rock convulsivo do Velvet Underground. Foi, também, um dos únicos lugares onde esse diálogo se deu nos EUA. A arte pop e a música pop só andaram verdadeiramente de mãos dadas na Inglaterra.
Tive a oportunidade de conhecer Warhol rapidamente, durante a gravação de um documentário sobre... Edson Arantes do Nascimento para a extinta Rede Manchete. Como outros ícones da época, Pelé havia sido pintado -e multiplicado- por Warhol. A entrevista aconteceu na Factory. O clima em torno de Warhol e seus súditos era teatral, afetado. E, como o seu retratado, Warhol falava de si mesmo na terceira pessoa. Para quem já não era exatamente um admirador do seu trabalho, as circunstâncias não ajudavam.
Revendo os quadros de Warhol expostos em "Os Anos Pop", percebo que há uma outra dimensão em sua obra que me passou despercebida. Warhol não pintou apenas o sonho americano. Retratou os pesadelos daquela mesma sociedade: a cadeira elétrica, os choques raciais, os assassinatos, os acidentes de carro. Warhol revelou a dessensibilização de toda uma cultura, a massificação que torna tudo igual no jornal das oito: o acidente e a glória, o êxtase e a agonia. "Sim, dizem que sou um espelho, mas, se um espelho olha para outro espelho, o que se pode ver?", perguntava.
A resposta poderia ser: tudo. Ou nada. Ao final de "Os Anos Pop", tem-se a estranha sensação de que o aspecto crítico, irônico e desconstrutivo do movimento pop não predominou. E que, com o pop, a nova cultura made in USA pôde exportar ao mesmo tempo o produto e sua crítica, a garrafa de Coca-Cola e a serigrafia de Warhol. Como um veneno que vem com o próprio antídoto.
O pop implodiu em grande parte em 68. "Uma coisa termina, outra começa", dizia Léger. Mas "o mais efêmero dos fenômenos culturais", como queriam os seus criadores, não morreu totalmente. O refrão do The Who, "Quero morrer antes de ser velho", não vingou. Algo do espírito pop sobreviveu ao tempo e aí está, possivelmente, o seu maior paradoxo.



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