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CONTARDO CALLIGARIS
Um tempo para pensar e um tempo para concluir
Parece lógico: para tomar
um decisão certeira, é preciso
pesar prós e contras e, eventualmente, entender as motivações
(mais ou menos ocultas) das escolhas possíveis. Depois disso, a gente decide direito.
Freud pedia que, pela duração
do tratamento, os pacientes não
tomassem nenhuma decisão importante (nada de casar, mudar
de emprego etc.). Mesma lógica: a
psicanálise e a psicoterapia nos
ofereceriam um tempo para pensar e compreender antes de concluir. No fim, tomaríamos decisões melhores.
Ora, há um problema com essa
idéia. Para muitas pessoas, a dificuldade não está na falta de pensamento ou de compreensão, mas
na incapacidade de agir: uma ruminação infinita as impede de
concluir.
Nesses casos, o tempo para pensar, que deveria ajudar a decidir,
torna-se pretexto para adiar a decisão. Por que adiar? Porque uma
decisão é sempre uma perda:
quem pedir a musse de chocolate
não comerá os morangos com
chantilly e renunciará ao que poderia acontecer se ele saísse do
restaurante sem saborear sobremesa alguma. Para não se privar
de tudo isso, uma solução (obviamente capenga) consiste em prolongar indefinidamente o tempo
da consulta do cardápio, sem escolher.
Assim, a vontade de preservar
os futuros possíveis transforma o
presente numa meditação infinita sobre qual seria a ação certa.
Existem patologias que correspondem a essa procrastinação.
António Damásio, em "O Erro de
Descartes", descreve sujeitos que,
em conseqüência de uma lesão no
córtex pré-frontal, perdem-se nos
argumentos que justificam suas
hesitações e nem sentem a
urgência de chegar a uma decisão. Sem precisar de uma lesão
cerebral, os neuróticos obsessivos
se comportam do mesmo jeito.
Mas não é preciso recorrer a
exemplos patológicos: o tempo
para pensar e compreender pode
fazer estragos, por exemplo, na vida amorosa de qualquer um.
Há amores que não vingam
porque fulano não consegue decidir se seria bom ou não sair da casa da mãe, sicrana se pergunta se
deveria casar-se já ou dedicar primeiro uma década à sua profissão, cada um dos dois quer saber
com certeza se está mesmo apaixonado ou quer certificar-se (por
sei lá quais testes) de que seu parceiro do momento é mesmo o melhor possível.
Há uniões infelizes que não se
desfazem porque os parceiros
acham que "ainda" não entenderam direito a razão do desastre.
Os casamentos que se eternizam
como debates sobre "a relação"
são intermináveis tempos para
pensar. Em geral, a infindável
tentativa de compreender antes
de separar-se mantém o "conforto" de uma convivência na qual
ambos podem evitar a árdua tarefa de amar e ser amados.
Tudo bem, admitamos que nem
sempre o tempo para pensar e
compreender seja útil para concluir e agir. Mas alguém perguntará: sem tempo para pensar e
compreender, como e em nome de
quais argumentos tomaríamos
nossas decisões?
Malcolm Gladwell acaba de publicar "Blink" (um piscar de
olhos), em que descreve os méritos
e deméritos das decisões e dos
atos que dispensam longas ponderações. O balanço é previsível:
há situações em que a ausência de
um tempo para pensar leva ao desastre e outras em que, ao contrário, desastroso é o tempo para
pensar.
Mas o que importa é que Gladwell mostra de maneira convincente que: 1) grande parte de nossas decisões, mesmo quando chegam depois de um longo tempo
para compreender, não são o fruto da reflexão que as antecede,
mas são tomadas num último piscar de olhos, 2) as decisões tomadas num piscar de olhos não são
irracionais ou "inspiradas": várias pesquisas de psicologia experimental mostram que, de fato,
elas se servem de informações
complexas, que são recebidas e
processadas sem que o sujeito se
dê conta disso.
Em suma, existe um tempo para pensar que é longo, consciente
e, sobretudo, procrastinador. E
existe um outro tipo de tempo para pensar, que é rápido, encoraja
à ação e não é consciente.
Freud, ao tentar dar conta de
fenômenos ditos paranormais,
suspeitou a existência de um tipo
de conhecimento que, embora eficiente, não ultrapassaria o limiar
da consciência. Exemplo: eu passeio na Paulista e, de repente, sem
saber por quê, penso num amigo
que não vejo há anos. Um minuto
mais tarde, esbarro no amigo.
Premonição? Proposta de Freud:
uma percepção (extrema, mas inconsciente) fez que, sem me dar
conta, eu reconhecesse, numa figura distante, alguns traços que
evocaram o amigo (um jeito de
caminhar, de mexer os braços).
Da forma análoga, quando tomamos uma decisão num piscar
de olhos, é provável que tenhamos visto, ouvido e levado em
conta muito mais do que imaginamos. Resta que a decisão nos
parece ser o fruto de nosso capricho, o que é incômodo: preferiríamos não ter de invocar apenas
nosso desejo como razão de nossa
escolha. Portanto pedimos tempo
para pensar (e justificar).
O diabo é que, freqüentemente,
quem quer encontrar argumentos
que autorizem todas as suas escolhas transforma a vida numa série de extenuantes reflexões preliminares.
Resumo: parodiando Hamlet,
o tempo para pensar nos torna, às
vezes, um pouco covardes.
@ - ccalligari@uol.com.br
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