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COMIDA
Governo americano aprova medida que regulamenta uso de laser que substitui os adesivos de identificação em frutas e legumes
Frutas tatuadas
JULIA MOSKIN
DO "NEW YORK TIMES"
Uma pêra é apenas uma pêra
-a não ser quando também é um
sistema de transmissão de informações codificada a laser.
E é nisso que estão se transformando algumas pêras em alguns
supermercados dos EUA -sem
falar em maçãs orgânicas, pepinos e delicados pêssegos. Uma
nova tecnologia que começa a
ser empregada por distribuidores de hortifrutigranjeiros
emprega raios laser para tatuar frutas e legumes com
seus nomes, números de
identificação, países de
origem e outras informações que ajudam a acelerar a distribuição. As
marcas são gravadas na
casca externa do produto e são bem visíveis aos
olhos dos consumidores e caixas de supermercados.
O processo já foi
aprovado pelo governo
americano e qualificado de seguro pela indústria, mas pode soar
sinistro. Contudo, foi
criado tendo o próprio
consumidor em vista,
na medida em que a codificação a laser pode
significar o fim das minúsculas etiquetas coladas
que o consumidor precisa
arrancar de seus produtos.
Na semana passada, a texana Jean Lemeaux, 76, levou meia hora arrancando etiquetas adesivas de frutas. "Tive
que fazer salada de frutas com as
frutas machucadas quando arranquei os adesivos. E ainda tive que
lavar uma a uma antes de colocar
na fruteira", contou ela. Na manhã seguinte, ela se olhou no espelho e viu que tinha duas etiquetas coladas no cabelo.
A tecnologia também tem outro
objetivo: faz parte do esforço mais
recente dos produtores para identificar e rastrear (por questão de
segurança ou para fins lucrativos)
tudo o que os americanos comem. Desde o 11 de Setembro, o
setor alimentício vem sendo incentivado a desenvolver tecnologia "de rastreamento" que permita a proteção da cadeia de fornecimento alimentar em várias etapas
do processo de distribuição. A
partir do próximo ano, além disso, regulamentos federais vão exigir que todos os produtos alimentícios importados sejam rotulados nos países de origem.
No Japão, as maçãs vêm sendo
vendidas com códigos de barra
escaneáveis, gravadas na cera que
recobre suas cascas. Ninguém sabe ao certo ainda quando todas as
frutas poderão ser rastreadas,
mas não há dúvidas quanto à tendência. A rede Wal-Mart já exige
que todos os carregamentos entregues em sua sede em Bentonville, Arkansas, sejam equipados
com etiquetas de identificação de
freqüência de rádio, para que possam ser rastreados via satélite.
Mas as informações sobre frutas
e legumes nos EUA ainda ficam
numa etiqueta adesiva minúscula
conhecida como PLU (iniciais de
"price look-up", ou verificador de
preços). Os adesivos são malvistos não apenas pelos consumidores mas também pela própria indústria alimentícia.
"Se são suficientemente grudentos para se conservar sobre as
frutas durante todo o percurso de
distribuição, então são tão grudentos que o consumidor não
consegue tirá-los", explicou Michael Hively, gerente geral da
Bland Farms, em Reidsville,
Geórgia, a maior produtora e embaladora de cebolas Vidalia.
Mas, com a exceção de uma ou
outra caixa de hortifrutigranjeiros
de cultivo local, "a maioria dos supermercados já não aceita frutas
ou legumes que não venham
identificados com adesivos", disse Francis Garcia, vice-presidente
da Sinclair Systems, de Fresno,
Califórnia, uma importante fabricante dos adesivos.
Para os produtores, os adesivos
são caros, ineficientes e criam sujeira. "O setor alimentício sabe
que os dias do adesivo PLU estão
contados e que será preciso haver
novos sistemas", disse Don Harris, da cadeia nacional de supermercados Wild Oats.
Em 2002, a produtora e distribuidora de frutas Durand-Wayland, da Geórgia, comprou a patente de um processo que grava o
número PLU. Greg Drouillard,
que patenteou a codificação a laser e que hoje trabalha para a Durand-Wayland, disse que, nesse
processo, uma tatuagem permanente é colocada sobre a fruta, removendo apenas o pigmento externo para trazer à tona uma camada contrastante subjacente,
tornando a tatuagem legível, até
mesmo escaneável.
A Bland Farms, que produz as
cebolas Vidalia, começou a usar a
tecnologia neste ano, enviando
cebolas com códigos a laser para
clientes como as redes Wal-Mart
e Publix. A Sunkist já empregou a
tecnologia em laranjas vendidas
nos mercados Stater Brothers, na
Califórnia, e a está testando com
limões, usando tinta à base de
blueberry [fruta parecida com
uma framboesa produzida nos
EUA] para criar um contraste
maior.
O diretor de pesquisas da Sunkist, Henry Affeldt Jr., disse que a
tecnologia funciona da mesma
maneira que funcionam raios laser usados em cirurgias, cortando
e cauterizando quase simultaneamente. "Mesmo depois da gravação a laser, a casca continua a proteger a fruta", disse ele, "e a marca
gravada é tão permanente quanto
uma tatuagem".
Quer venham em etiquetas adesivas ou numa tatuagem, os números têm um objetivo. A Associação de Marketing de Produtos
Alimentícios e a Federação Internacional de Codificação de Produtos Alimentícios fixaram padrões mundiais para os números
PLU. Números de quatro algarismos indicam produtos cultivados
de maneira tradicional; cinco algarismos começando com o 9 indicam alimentos orgânicos; cinco
algarismos começando com o 8,
alimentos geneticamente modificados. Uma espiga de milho cultivada da maneira convencional
poderia ser marcada com o número 4078, por exemplo; uma espiga orgânica, com 94078, e uma
espiga geneticamente modificada
teria o número 84078.
"Na época em que havia um tipo apenas de maçã nos supermercados, era fácil. Hoje, no entanto,
alguns supermercados vendem
até 12 tipos. Fica difícil os caixas
reconhecerem todos", disse Harris, da Wild Oats. Será que a gravação de códigos a laser sobre frutas vai atrapalhar quem gosta de
montar fruteiras bonitas?
"Qualquer coisa que modifique
as frutas de maneira permanente
será difícil de ser aceita pelo consumidor", disse Harris.
Os estudantes de desenho que
pintam naturezas-mortas talvez
concordem. "Há literalmente
centenas de anos os artistas vêm
mergulhando nas cores e curvas
de pêssegos perfeitos", disse Joseph Rishel, curador do Museu de
Arte de Filadélfia especializado
em Cézanne. "Tatuar frutas soa
como uma profanação. Por outro
lado, há quem diga que o próprio
Cézanne teria usado frutas artificiais para pintar suas telas."
Sejam quais forem suas vantagens, o sistema a laser ainda está
longe de ser perfeito. A tinta à base de blueberry, usada pela Sunkist para codificar os limões, por
exemplo, tende a escorrer quando
exposta à umidade.
"Acho que a mãe-natureza não
queria que a rotulássemos", disse
Durand.
Tradução de Clara Allain
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