São Paulo, quinta-feira, 21 de julho de 2005

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COMIDA

Governo americano aprova medida que regulamenta uso de laser que substitui os adesivos de identificação em frutas e legumes

Frutas tatuadas

JULIA MOSKIN
DO "NEW YORK TIMES"

Uma pêra é apenas uma pêra -a não ser quando também é um sistema de transmissão de informações codificada a laser.
E é nisso que estão se transformando algumas pêras em alguns supermercados dos EUA -sem falar em maçãs orgânicas, pepinos e delicados pêssegos. Uma nova tecnologia que começa a ser empregada por distribuidores de hortifrutigranjeiros emprega raios laser para tatuar frutas e legumes com seus nomes, números de identificação, países de origem e outras informações que ajudam a acelerar a distribuição. As marcas são gravadas na casca externa do produto e são bem visíveis aos olhos dos consumidores e caixas de supermercados.
O processo já foi aprovado pelo governo americano e qualificado de seguro pela indústria, mas pode soar sinistro. Contudo, foi criado tendo o próprio consumidor em vista, na medida em que a codificação a laser pode significar o fim das minúsculas etiquetas coladas que o consumidor precisa arrancar de seus produtos.
Na semana passada, a texana Jean Lemeaux, 76, levou meia hora arrancando etiquetas adesivas de frutas. "Tive que fazer salada de frutas com as frutas machucadas quando arranquei os adesivos. E ainda tive que lavar uma a uma antes de colocar na fruteira", contou ela. Na manhã seguinte, ela se olhou no espelho e viu que tinha duas etiquetas coladas no cabelo.
A tecnologia também tem outro objetivo: faz parte do esforço mais recente dos produtores para identificar e rastrear (por questão de segurança ou para fins lucrativos) tudo o que os americanos comem. Desde o 11 de Setembro, o setor alimentício vem sendo incentivado a desenvolver tecnologia "de rastreamento" que permita a proteção da cadeia de fornecimento alimentar em várias etapas do processo de distribuição. A partir do próximo ano, além disso, regulamentos federais vão exigir que todos os produtos alimentícios importados sejam rotulados nos países de origem.
No Japão, as maçãs vêm sendo vendidas com códigos de barra escaneáveis, gravadas na cera que recobre suas cascas. Ninguém sabe ao certo ainda quando todas as frutas poderão ser rastreadas, mas não há dúvidas quanto à tendência. A rede Wal-Mart já exige que todos os carregamentos entregues em sua sede em Bentonville, Arkansas, sejam equipados com etiquetas de identificação de freqüência de rádio, para que possam ser rastreados via satélite.
Mas as informações sobre frutas e legumes nos EUA ainda ficam numa etiqueta adesiva minúscula conhecida como PLU (iniciais de "price look-up", ou verificador de preços). Os adesivos são malvistos não apenas pelos consumidores mas também pela própria indústria alimentícia.
"Se são suficientemente grudentos para se conservar sobre as frutas durante todo o percurso de distribuição, então são tão grudentos que o consumidor não consegue tirá-los", explicou Michael Hively, gerente geral da Bland Farms, em Reidsville, Geórgia, a maior produtora e embaladora de cebolas Vidalia.
Mas, com a exceção de uma ou outra caixa de hortifrutigranjeiros de cultivo local, "a maioria dos supermercados já não aceita frutas ou legumes que não venham identificados com adesivos", disse Francis Garcia, vice-presidente da Sinclair Systems, de Fresno, Califórnia, uma importante fabricante dos adesivos.
Para os produtores, os adesivos são caros, ineficientes e criam sujeira. "O setor alimentício sabe que os dias do adesivo PLU estão contados e que será preciso haver novos sistemas", disse Don Harris, da cadeia nacional de supermercados Wild Oats.
Em 2002, a produtora e distribuidora de frutas Durand-Wayland, da Geórgia, comprou a patente de um processo que grava o número PLU. Greg Drouillard, que patenteou a codificação a laser e que hoje trabalha para a Durand-Wayland, disse que, nesse processo, uma tatuagem permanente é colocada sobre a fruta, removendo apenas o pigmento externo para trazer à tona uma camada contrastante subjacente, tornando a tatuagem legível, até mesmo escaneável.
A Bland Farms, que produz as cebolas Vidalia, começou a usar a tecnologia neste ano, enviando cebolas com códigos a laser para clientes como as redes Wal-Mart e Publix. A Sunkist já empregou a tecnologia em laranjas vendidas nos mercados Stater Brothers, na Califórnia, e a está testando com limões, usando tinta à base de blueberry [fruta parecida com uma framboesa produzida nos EUA] para criar um contraste maior.
O diretor de pesquisas da Sunkist, Henry Affeldt Jr., disse que a tecnologia funciona da mesma maneira que funcionam raios laser usados em cirurgias, cortando e cauterizando quase simultaneamente. "Mesmo depois da gravação a laser, a casca continua a proteger a fruta", disse ele, "e a marca gravada é tão permanente quanto uma tatuagem".
Quer venham em etiquetas adesivas ou numa tatuagem, os números têm um objetivo. A Associação de Marketing de Produtos Alimentícios e a Federação Internacional de Codificação de Produtos Alimentícios fixaram padrões mundiais para os números PLU. Números de quatro algarismos indicam produtos cultivados de maneira tradicional; cinco algarismos começando com o 9 indicam alimentos orgânicos; cinco algarismos começando com o 8, alimentos geneticamente modificados. Uma espiga de milho cultivada da maneira convencional poderia ser marcada com o número 4078, por exemplo; uma espiga orgânica, com 94078, e uma espiga geneticamente modificada teria o número 84078.
"Na época em que havia um tipo apenas de maçã nos supermercados, era fácil. Hoje, no entanto, alguns supermercados vendem até 12 tipos. Fica difícil os caixas reconhecerem todos", disse Harris, da Wild Oats. Será que a gravação de códigos a laser sobre frutas vai atrapalhar quem gosta de montar fruteiras bonitas?
"Qualquer coisa que modifique as frutas de maneira permanente será difícil de ser aceita pelo consumidor", disse Harris.
Os estudantes de desenho que pintam naturezas-mortas talvez concordem. "Há literalmente centenas de anos os artistas vêm mergulhando nas cores e curvas de pêssegos perfeitos", disse Joseph Rishel, curador do Museu de Arte de Filadélfia especializado em Cézanne. "Tatuar frutas soa como uma profanação. Por outro lado, há quem diga que o próprio Cézanne teria usado frutas artificiais para pintar suas telas."
Sejam quais forem suas vantagens, o sistema a laser ainda está longe de ser perfeito. A tinta à base de blueberry, usada pela Sunkist para codificar os limões, por exemplo, tende a escorrer quando exposta à umidade.
"Acho que a mãe-natureza não queria que a rotulássemos", disse Durand.


Tradução de Clara Allain

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