São Paulo, domingo, 21 de agosto de 2005

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Enciclopédia de Babel



Maior estudo sobre línguas, "Ethnologue" conta 6.912 idiomas no mundo; 497 estão ameaçados

PEDRO DIAS LEITE
DE NOVA YORK

Mais de 860 milhões de chineses falam mandarim. Apenas dois brasileiros, se ainda estiverem vivos, falam apiacá. A lista pode continuar indefinidamente, porque é longa, muito longa, ao menos a julgar pela nova edição do "Ethnologue", o maior compêndio sobre línguas já feito no planeta. De acordo com o livro, são 6.912 línguas em todo o mundo.
O trabalho começou em 1951 como uma espécie de guia, com apenas 40 línguas, para missionários cristãos, e hoje lista quase 7.000 idiomas, quantas pessoas os falam e onde fica essa população. O livro não ensina nenhuma das línguas, apenas cataloga, e é editado de quatro em quatro anos -por problemas tecnológicos, a atual edição levou cinco anos.
Mas essa busca por descobrir todas as línguas do mundo pode estar perto de ser concluída, segundo disse à Folha o editor do livro, Ray Gordon. "Eu suspeito que estejamos próximos de determinar todas as novas línguas. Talvez haja mais 300 ou 400 que ainda não estão identificadas, que se separaram de grupos no Pacífico e na Ásia e que ainda não tivemos pesquisa local suficiente."
No Brasil, o trabalho está praticamente completo: são 188 línguas (o português é de longe a principal), muitas delas faladas por pequenos e isolados grupos indígenas. Existem outras 47 que já foram extintas. O número vem oscilando pouco ao longo dos últimos 20 anos. Em 1982, eram 238 línguas no total, com 30 extintas. Na edição anterior, de 2000, contavam-se 234 línguas, 42 extintas.
O "Ethnologue" considera como línguas diferentes aquelas em que dois povos não conseguem se comunicar se cada um falar a sua. Povoados asiáticos que têm uma origem num dialeto comum, mas com o passar dos tempos não se entendem mais, são considerados povos com línguas diferentes.
"Nos anos recentes, o número de línguas subiu e desceu ao mesmo tempo. Subiu, porque há situações em que algumas línguas se dividiram. E desceu porque, em outras, descobrimos que onde identificamos mais de uma língua, na verdade, falavam a mesma variedade. Então reduzimos o número e classificamos essas linguagens como dialetos", explica o editor, Gordon.
Para chegar às línguas, são utilizadas basicamente três fontes: bibliografia, contatos com lingüistas e antropólogos e trabalho de campo. Na atual edição, cerca de cem pessoas contribuíram diretamente.
No Brasil, o trabalho é feito desde 1950. "Acredito que já cobrimos todas as línguas lá. Ao longo das últimas edições, o número tem sido relativamente estável. Em outras palavras, o número de línguas extintas tem crescido levemente, e nós tivemos mais informações sobre o restante", diz Gordon, cujo estudo tem confiabilidade questionada por especialistas brasileiros.
A tendência é que as línguas em risco de extinção desapareçam no espaço de uma geração. Ao todo, são 497 ameaçadas no mundo, e o Brasil concentra 30 delas. Em algumas, pouquíssimos falam a língua, caso do ofaié, idioma indígena dominado só por 11 pessoas, em Brasilândia (MS).
"Tenho certeza de que, ao longo de cinco anos, algumas delas já devem ter sido extintas. Prevemos que nos próximos 25 anos a maioria dessas [497] línguas tenha sido ou esteja próxima de terem sido extintas", conta.
Ao mesmo tempo em que ajuda a preservar essas línguas por registrar sua existência, o "Ethnologue" é criticado por estudiosos justamente por isso. Como até hoje a empresa que o produz utiliza o livro como base para traduzir a Bíblia para missionários, alguns especialistas afirmam que isso acaba por extinguir esses idiomas.
"É absurdo pensar no SIL [que produz o livro] como uma agência de preservação, quando eles fazem o oposto. Junto ao extermínio da religião nativa, todas as formas cerimoniais de discurso, músicas e arte associadas com a religião desaparecem também", disse ao "New York Times" Denny Moore, um lingüista que trabalha no Estado do Pará há 18 anos.
O SIL (Summer Institute of Linguistics, instituto de verão para lingüística) treina missionários para aprender as línguas locais e traduzir a Bíblia. "Os funcionários do SIL realmente trabalham com isso, mas a proposta do "Ethnologue" é fornecer documentos de referência nas línguas do mundo", diz o editor da atual edição.
Ainda neste ano, o livro deve ser comercializado em larga escala -hoje a obra só está disponível pelo site ethnologue.com, mas a intenção é vendê-la em livrarias.


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