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GUILHERME WISNIK
Cidade "casa-grande"
Em São Paulo, apartamentos cada vez menores continuam compartimentando ad infinitum os seus ambientes
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NO início dos anos 50, o sociólogo francês Roger Bastide,
que viveu 16 anos no Brasil,
publicou, no jornal, uma série de artigos sobre São Paulo. Tratava-se,
então, de prática comum entre pensadores das ciências humanas debater em público questões arquitetônicas, haja visto os exemplos de Mário e Oswald de Andrade.
Conhecendo de perto o modelo da
cidade européia, Bastide distingue
com clareza traços particulares do
processo de verticalização de São
Paulo, que reconhece ser o destino
da cidade, em função do crescimento demográfico e da elevação do preço dos terrenos e do problema crônico de circulação. No entanto, segundo Bastide, esse vetor de crescimento vertical está em contradição direta com a "mentalidade horizontal"
da formação colonial brasileira, forjada na experiência distendida da vida nas sedes de fazenda e na promiscuidade familiar do sistema "casa-grande e senzala", analisado por Gilberto Freyre.
Em "Sobrados e Mocambos", o
próprio Freyre analisou a sobrevivência desse padrão de sociabilidade
rural no espaço das cidades brasileiras. Bastide, contudo, mesmo seguindo essa diretriz básica, enxerga
no "arranha-céu" paulistano a condensação das contradições apontadas nas dualidades de Freyre. O arranha-céu, para ele, "ao construir-se
sobre as ruínas da antiga cidade, não
desmancha essa estrutura comunitária, separa-a em altura apenas e a
reduz à miniatura". Quer dizer: os
edifícios são empilhamentos de casarões coloniais miniaturizados, reproduzindo verticalmente tanto a
estrutura familiar patriarcal quanto
a organização fundiária da cidade
feita de sobrados, com seus tamanhos exíguos de lote, recuos laterais
obrigatórios etc.
O advento da arquitetura moderna, na Europa, no início do século
20, representou a invenção de um
"novo morar", em que a ociosidade
espacial da mansão burguesa, dependente do trabalho abundante de
serviçais, é substituída pela compactação dos espaços (eliminando-se
corredores) e racionalização de ambientes vitais como a cozinha, equipada por artefatos industriais, e integrada às áreas de estar. Hoje, em
São Paulo, mais de meio século depois das observações de Bastide,
apartamentos cada vez menores
continuam compartimentando ad
infinitum os seus ambientes a ponto de manter, religiosamente, uma
senzala inabitável junto da cozinha
(com quarto e banheiro), devidamente isolada da área social, no entanto, por uma copa. Não me refiro,
aqui, à casa popular, mas a um padrão de classe média que privilegia
lavabos, playgrounds e vagas para
carros em detrimento dos espaços
de moradia.
Muitos arquitetos, ou leigos simpáticos ao que supõem ser a causa
nobre da arquitetura moderna, elegem o neoclassicismo requentado
que prolifera no mercado imobiliário da cidade como foco de ataque.
Trata-se de um problema mal posto, já que essas fachadas "históricas" apenas espelham, do ponto de
vista do gosto, uma mentalidade
colonizada, profundamente enraizada na organização familiar e na
estrutura fundiária da cidade.
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