|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
FERNANDO BONASSI
Anatomia do desastre
Ao se aproximar parece difícil descer, mas ninguém se pergunta se vai ser possível parar
QUE UM AVIÃO consiga subir
parece incrível para muita
gente, ainda que muita gente
o tenha construído com este propósito. Existe algo de mágico neste esforço de transportar. Todos querem
ascender, conhecer, evoluir...
Mas tudo que sobe tem que descer. A descida deve ser controlada
para evitar a queda. Assim, todo
avião que vem descendo parece estar caindo. É mais ou menos isso
mesmo. Por mais pesados que sejam, seu elemento natural é o ar que
os rodeia. São feitos para voarem
com o vento, ainda que nós mesmos
só possamos apanhá-los em terra.
Têm que subir e que descer para
nos pegar. Não são os seus melhores
momentos... Alguns passageiros podem até enjoar, mas é necessário fazer a vida nessa América, arranjar
negócios, visitar clientes e honrar as
despesas do lar, que costumam chegar sorrateiras por baixo das portas.
Alguns estarão em férias. Será a
minoria que veio relaxar. Aqui se
trabalha todo dia pela grandeza da
nação. É uma danação! Difícil arranjar assento até mesmo para esperar!
E o fato de tantas aeronaves estarem
sobrevoando às tontas é fruto da
prosperidade de nossa gente!
O problema, evidentemente, é a
prosperidade dessa gente, que requer planejamento de longo prazo,
que seja cumprido com a devida
cautela. Custa caro esse cuidado para todos, e quem se sente bem tratado não se sente obrigado a financiar.
Financiaram campanhas que devastaram ferrovias, portos, estradas
e a própria democracia, e agora, para
reconstruí-las, não gostam de pagar
o preço necessário. Pode ser estratosférico para quem não está acostumado com impostos. Há muitos
impostores que tornam o fisco esse
fiasco para a igualdade social.
O preço das ditaduras já se sabe
que é barato, já que os velhos economistas suicidas não prestaram contas a ninguém dos que fizeram torturar e enterrar em cova rasa.
Por falar em economia, trata-se de
um avião novo, com umas coisas esquisitas que não se sabe muito bem
para o que servem e que ficam desligadas, poupadas de suas mancadas e
"pinadas" em si mesmas.
É um avião novo com seu histórico de problemas...
Segundo o fabricante, o produto é
de primeira.
Segundo os operadores, há problemas secundários.
Segundo as autoridades, há fatores terciários, ou influências de terceiros, que podem interferir no bom
desempenho da aeronave.
O céu não está para brigadeiros. É
uma sexta-feira chuvosa. Quase 13
no azar que está para acontecer...
Ao se aproximar parece difícil descer, mas ninguém se pergunta se vai
ser possível parar. Parece óbvio que
além daquele chão ninguém mais
pode cair para se machucar.
Está pousando. A pista foi tocada
no ponto exato de seu comprimento, conforme o combinado. O comprimento não é lá grandes coisas, a
combinação muda o tempo todo, e a
área de escape foi grilada pela sanha
dos shopping centers, dos prostíbulos da elite e demais empreendimentos imobiliários de uma região
cosmopolita e civilizada. A questão
da nossa civilização é crescer, avançar, conduzir, jamais ser conduzida
e oprimida em seus confortos, não é
mesmo? Estávamos tão acostumados a correr que não imaginávamos
como poderíamos ser parados... E a
inércia nessa correria era certa...
Nós que nos esquecemos...
A garoa é fina, a pista é curta, está
escorregadia, mas é a reta de chegada e, na dúvida, é melhor pousar no
local inseguro de sempre do que não
pousar. Todos têm o que fazer, e a
companhia, àquela altura, não ia
gostar de queimar combustível no
mesmo lugar. Não é ecológico e nem
lógico do ponto de vista comercial...
Os spoilers das asas não funcionam imediatamente. Nem vão funcionar mais. Enquanto se precipitava para a avenida, é possível que a
força do piloto tenha sido delicada
demais para a aspereza do equipamento, que a gentileza do seu pulso
não tenha sido suficiente para "domar o bicho"... Vai saber? Os parâmetros das caixas são entrecruzados
e obscuros de se revelar...
Pode ser que o computador tenha
perdido seu juízo perfeito e pensado
que estava em alta enquanto decaía
aos olhos de todos; que achava de
acelerar quando devia estar parado;
fingindo se mover e ficando nesse
impasse absurdo, como se a sua tecnologia dependesse da incerteza...
A pista é lisa como sonham os motoristas e execram os pilotos obrigados a pousar 60 toneladas de clientes acostumados a correr. Sua carga
é preciosa e sua energia é infinita...
Mas serão desperdiçadas.
A explosão é a conclusão histórica
dessa descida. Há uma lição sinistra
de História do Brasil nisto tudo...
Texto Anterior: Resumo das novelas Próximo Texto: Tom Dixon critica a síndrome do "design heróico" Índice
|