São Paulo, terça-feira, 21 de agosto de 2007

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FERNANDO BONASSI

Anatomia do desastre

Ao se aproximar parece difícil descer, mas ninguém se pergunta se vai ser possível parar

QUE UM AVIÃO consiga subir parece incrível para muita gente, ainda que muita gente o tenha construído com este propósito. Existe algo de mágico neste esforço de transportar. Todos querem ascender, conhecer, evoluir...
Mas tudo que sobe tem que descer. A descida deve ser controlada para evitar a queda. Assim, todo avião que vem descendo parece estar caindo. É mais ou menos isso mesmo. Por mais pesados que sejam, seu elemento natural é o ar que os rodeia. São feitos para voarem com o vento, ainda que nós mesmos só possamos apanhá-los em terra.
Têm que subir e que descer para nos pegar. Não são os seus melhores momentos... Alguns passageiros podem até enjoar, mas é necessário fazer a vida nessa América, arranjar negócios, visitar clientes e honrar as despesas do lar, que costumam chegar sorrateiras por baixo das portas.
Alguns estarão em férias. Será a minoria que veio relaxar. Aqui se trabalha todo dia pela grandeza da nação. É uma danação! Difícil arranjar assento até mesmo para esperar! E o fato de tantas aeronaves estarem sobrevoando às tontas é fruto da prosperidade de nossa gente!
O problema, evidentemente, é a prosperidade dessa gente, que requer planejamento de longo prazo, que seja cumprido com a devida cautela. Custa caro esse cuidado para todos, e quem se sente bem tratado não se sente obrigado a financiar.
Financiaram campanhas que devastaram ferrovias, portos, estradas e a própria democracia, e agora, para reconstruí-las, não gostam de pagar o preço necessário. Pode ser estratosférico para quem não está acostumado com impostos. Há muitos impostores que tornam o fisco esse fiasco para a igualdade social.
O preço das ditaduras já se sabe que é barato, já que os velhos economistas suicidas não prestaram contas a ninguém dos que fizeram torturar e enterrar em cova rasa.
Por falar em economia, trata-se de um avião novo, com umas coisas esquisitas que não se sabe muito bem para o que servem e que ficam desligadas, poupadas de suas mancadas e "pinadas" em si mesmas.
É um avião novo com seu histórico de problemas...
Segundo o fabricante, o produto é de primeira.
Segundo os operadores, há problemas secundários.
Segundo as autoridades, há fatores terciários, ou influências de terceiros, que podem interferir no bom desempenho da aeronave.
O céu não está para brigadeiros. É uma sexta-feira chuvosa. Quase 13 no azar que está para acontecer...
Ao se aproximar parece difícil descer, mas ninguém se pergunta se vai ser possível parar. Parece óbvio que além daquele chão ninguém mais pode cair para se machucar.
Está pousando. A pista foi tocada no ponto exato de seu comprimento, conforme o combinado. O comprimento não é lá grandes coisas, a combinação muda o tempo todo, e a área de escape foi grilada pela sanha dos shopping centers, dos prostíbulos da elite e demais empreendimentos imobiliários de uma região cosmopolita e civilizada. A questão da nossa civilização é crescer, avançar, conduzir, jamais ser conduzida e oprimida em seus confortos, não é mesmo? Estávamos tão acostumados a correr que não imaginávamos como poderíamos ser parados... E a inércia nessa correria era certa... Nós que nos esquecemos...
A garoa é fina, a pista é curta, está escorregadia, mas é a reta de chegada e, na dúvida, é melhor pousar no local inseguro de sempre do que não pousar. Todos têm o que fazer, e a companhia, àquela altura, não ia gostar de queimar combustível no mesmo lugar. Não é ecológico e nem lógico do ponto de vista comercial...
Os spoilers das asas não funcionam imediatamente. Nem vão funcionar mais. Enquanto se precipitava para a avenida, é possível que a força do piloto tenha sido delicada demais para a aspereza do equipamento, que a gentileza do seu pulso não tenha sido suficiente para "domar o bicho"... Vai saber? Os parâmetros das caixas são entrecruzados e obscuros de se revelar...
Pode ser que o computador tenha perdido seu juízo perfeito e pensado que estava em alta enquanto decaía aos olhos de todos; que achava de acelerar quando devia estar parado; fingindo se mover e ficando nesse impasse absurdo, como se a sua tecnologia dependesse da incerteza...
A pista é lisa como sonham os motoristas e execram os pilotos obrigados a pousar 60 toneladas de clientes acostumados a correr. Sua carga é preciosa e sua energia é infinita... Mas serão desperdiçadas.
A explosão é a conclusão histórica dessa descida. Há uma lição sinistra de História do Brasil nisto tudo...


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