São Paulo, quinta-feira, 21 de agosto de 2008

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análise

Escritor tem classe média como alvo

BERNARDO AJZENBERG
ESPECIAL PARA A FOLHA

Desde a estréia, em 1959, com "Adeus, Columbus", passando pelo escândalo de "Complexo de Portnoy", dez anos depois, e pela série inacreditável de grandes romances que escreveu na década de 90, até as obras mais recentes, Philip Roth não parou de surpreender. Como Woody Allen, cujos filmes, apesar dos altos e baixos, acumulam-se uns após os outros constituindo um conjunto coerente com leis próprias e características reconhecíveis, o principal escritor norte-americano vivo dá forma há quase 50 anos a uma pintura extensiva e ao mesmo tempo aprofundada das diferentes camadas constitutivas dos "corações e mentes" de seus compatriotas -mas, certamente, não só deles. Assim como no caso do cineasta nova-iorquino, seu alvo preferencial, nesse amplo espectro, é a classe média ilustrada, mais ou menos intelectualizada, em especial a de ascendência judaica. Na esteira de nomes como Saul Bellow, Bernard Malamud e Isaac Bashevis Singer, Roth empreendeu, no entanto, uma ruptura marcante com esses autores ao escancarar sem pudor todas as contradições, anseios, dúvidas e maus sentimentos que aqueles, de ao menos uma geração anterior, apenas insinuavam -ainda que magistralmente. Radicalizou e provocou -e, durante certo tempo, chegou a amargar alguma ojeriza, ao lado de admiração, por parte de seus próprios pares étnicos. Um de seus "segredos" é a capacidade de criar alter-egos nada autocomplacentes imediatamente identificáveis com o autor -como Nathan Zuckerman, presente em vários livros-, o que institui com o leitor uma relação direta difícil de se conquistar. Outra chave de Roth está na elaboração de personagens inesquecíveis em sua densidade: grotescos e ao mesmo tempo ousados, perspicazes porém estúpidos no trato, sempre apaixonantes. Exemplo mais claro, entre tantos outros, é o manipulador de bonecos Mickey, protagonista trapaceiro de "Teatro de Sabbath" (1995), uma obra-prima escatologicamente deslumbrante. Roth aborda sexo, morte, racismo, dor, adultério, religião, guerra, política, vida familiar e intelectual com uma crueza tão espantosa e uma sensibilidade tão aguçada que parece forçar você, leitor, a falar sozinho com o espelho. E, isso, lançando mão de uma ironia e de um humor cuja superficialidade foi descartada desde o início.

BERNARDO AJZENBERG é autor de "Homens com Mulheres", entre outros livros



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