São Paulo, sexta-feira, 21 de agosto de 2009

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SABATINA

FOLHA

JUCA FERREIRA

"Reforma na Lei Rouanet não é contra os artistas consagrados"

Ministro da Cultura afirma que eles não podem ser "discriminados" se a legislação não prevê distinção

O MINISTRO da Cultura, Juca Ferreira, 60, disse anteontem, em sabatina da Folha, que não há "impedimento legal nem moral" para que artistas como Caetano Veloso e Gilberto Gil recorram a patrocínio via Rouanet. Voltou ao tema mesmo quando questionado sobre outros assuntos, como o fato de shows patrocinados ocorrerem em locais de difícil acesso para quem vai de ônibus. Disse que a lei "é permissiva" e que não estimula contrapartidas maiores dos artistas, mas que não podem ser "discriminados". DA REPORTAGEM LOCAL

Ferreira admitiu que a afirmação de Lula de que o Itaú não gasta "um tostão" com os projetos do Itaú Cultural estava "factualmente errada". "Não diria injusta, porque é em torno de 80% de dinheiro público." O ministro foi sabatinado pelos jornalistas Sylvia Colombo (editora da Ilustrada), Gilberto Dimenstein (do Conselho Editorial da Folha), Marcio Aith e Ana Paula Sousa.

REFORMA DA LEI
Não é uma reforma contra os consagrados. Você não estimula o desenvolvimento se não atende a diversos segmentos. A decisão passa por várias etapas. O proponente entra com a proposta, o Ministério avalia a legalidade e envia para um órgão do sistema avaliar. O parecer vai para a Comissão Nacional de Incentivo à Cultura [Cnic], que metade é do Ministério, metade é da sociedade e dos produtores culturais. Foi aí que houve rejeição ao projeto do Caetano. [...] A Cnic já tinha aprovado três projetos da Ivete Sangalo, o maior fenômeno da história da música no Brasil. Como aprovar um e não aprovar outro? Você só pode restringir se a lei prevê essa distinção. [...] A lei é permissiva.

GILBERTO GIL
Quando o Estado, a lei, a sociedade acha inconveniente que alguém que já fez parte do Estado tenha acesso, há uma figura que é a quarentena. Não há impedimento legal nem acredito que haja um impedimento moral.

CONTRAPARTIDA
São [pequenas as contrapartidas dos artistas]. A lei não permite uma exigência maior, mas todos que utilizaram a lei deram uma contrapartida de barateamento do custo, para que pessoas que não teriam acesso tivessem. É um ganho.

LOBBY
O que ela fez [Paula Lavigne, ao ligar para o ministro questionando a restrição ao uso da Lei Rouanet por Caetano] foi normal. Ela disse: "Caetano está escrevendo um artigo sentando o pau no MinC". Liguei para ele, que ia a uma sessão de pilates, e falei: "A gente se fala depois", porque sei que o pilates relaxa [risos]. Quando ele voltou, falou: "Pode ser provocação para nos intrigar". Falei: "Estão usando armas indevidas". O lobby deixa de ser legal e passa a ser questionável quando estabelece uma relação promíscua de privilégios, de beneficiamento de quem decide.

ESTADO X MERCADO
O que temos hoje não é parceria público-privada. Em 18 anos, houve aparência de contribuição da área privada, mas nove entre dez empresários só trabalham com 100% de renúncia fiscal. Parceria é associação de dois ou mais entes que buscam se fortalecer para realizar um objetivo comum. No caso da Rouanet, nós entramos com o dinheiro, e a área privada, com a decisão. Isso não é parceria, é escândalo.

ITAÚ CULTURAL
O Lula protestou contra isso [uso só de dinheiro público] e usou um exemplo que não é o mais adequado, porque quem ele citou [o Itaú Cultural] de alguma maneira coloca algum dinheiro. [...] Não diria injusto. Foi factualmente errado, mas não injusto, porque é em torno de 80% de dinheiro público.

CNIC
Recebemos milhares de projetos por setor, e não há possibilidade de uma avaliação mais profunda. A Cnic será setorizada. Eu às vezes tenho vergonha de avaliações produzidas pelo Ministério, que estão aquém dos projetos que estão avaliando. [...] No caso do Caetano, havia um erro de avaliação. A Cnic não percebeu que ele propunha redução do preço do ingresso. Você há de convir que foi raro [a intervenção do ministro]. Perante o Estado quem é responsável por qualquer erro é o ministro, então a última palavra é do ministro. [A comissão] É consultiva, e não decisória.

VALE-CULTURA
[Questionado sobre se o governo não deveria orientar o gasto do Vale-Cultura pela população, permitindo formação de plateia no lugar de uso em shows de funk, por exemplo] Somos tratados com uma suspeição recorrente de dirigismo cultural. Na hora que a gente lança um instrumento democrático, vêm demandar que a gente diga o que a população vai consumir? Os editoriais da Folha e do "Estadão" foram uma surpresa. Não pode o Estado dizer: "Isso é meritório, isso não é". Me surpreendeu dois órgão de imprensa de marca liberal demandarem do Estado esse tipo de censura. Não tenho nada contra o funk. Todas as manifestações populares foram incompreendidas. É uma manifestação cultural enraizada nas populações pobres do Rio. Se tem proximidade com a criminalidade é porque [isso vale para] qualquer coisa que se mexa naquele ambiente, onde o Estado é frágil. O funk tem mérito do ponto de vista cultural, é um gênero cultural como outro qualquer.

IMPRENSA
A imprensa faz uma guerra de trincheira com o governo. Se mexeu, toma tiro. A imprensa vê as árvores, mas não vê a floresta. [...] Eu me dou bem com a imprensa porque ambos trabalhamos na esfera pública, mas as vezes ela escorrega um pouco no deslumbramento com o próprio poder.

CANDIDATURA
Eu não sou candidato, dizendo peremptoriamente. Gosto desse trabalho e quero ir até onde puder nisso.


Folha Online

Assista à íntegra da sabatina www.folha.com.br/092313




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