São Paulo, sábado, 21 de agosto de 2010

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Herança de Guzik

Antes de morrer, em junho deste ano, o autor e crítico teatral deixou dois romances inéditos e duas peças inacabadas; os amigos Ivam Cabral e Sérgio Roveri tentam viabilizar publicação das obras

Lenise Pinheiro-1997/Folhapress
O dramaurgo e escritor Alberto Guzik (1944-2010)

GUSTAVO FIORATTI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Um dia antes de ser internado no hospital Santa Helena (SP), em fevereiro, o crítico, ator e escritor Alberto Guzik mandou um e-mail para o ator Ivam Cabral dando orientações sobre um livro inédito de sua autoria.
O romance "A Estátua de Sal de Sodoma", ainda não publicado, é, portanto, a última obra de Guzik. Figura emblemática do cenário teatral paulistano, ele morreu aos 66 anos, em junho, em decorrência de um câncer.
Na mensagem, o autor pedia para que, caso "um imprevisto" acontecesse, Cabral, que foi seu parceiro no grupo Os Satyros, se encarregasse da publicação.
O livro chegou anexado em arquivo de Word e foi enviado com cópia para o dramaturgo Aimar Labaki. O jornalista e dramaturgo Sérgio Roveri, antigo companheiro de redação do "Jornal da Tarde", onde Guzik trabalhou por 15 anos, também tinha uma versão não revisada.
Dias depois da morte de Guzik, foi encontrado ainda seu laptop, na SP Escola de Teatro, onde ele havia assumido a cadeira de diretor pedagógico em 2009. Ali havia ainda duas peças inacabadas e mais um romance inédito, "Um Palco Iluminado".

PRIMEIRA LEITURA
No último dia 7, Cabral e Roveri fizeram uma primeira sessão de leituras de todos os arquivos encontrados. Ao conjunto de trabalhos não publicados juntaram textos postados por Guzik em seu blog os.dias.e.as.horas.zip.net, que permanece no ar.
A intenção é organizar o material em mais de um volume. Nenhuma editora mostrou ainda interesse pelos textos, aos quais a Folha teve acesso.
Durante a leitura, ficou patente uma peculiaridade: sempre há, nas obras ficcionais de Guzik, referências a músicas, pinturas, filmes, livros e peças.
"A memória dele era impressionante; ele lembrava com precisão de títulos, nomes de personagens, datas", conta Roveri.
Thom Yorke, "...E o Vento Levou", Marina Lima e Gerald Thomas são citados em "A Estátua de Sal de Sodoma", que começa com uma descrição minuciosa de um quadro de Paul Klee, "Cat and Bird", de uma exposição do MoMa de Nova York.
A especulação sobre o nome correto das cores da pintura evoca um espírito minucioso. "No centro da testa do gato amarelo/laranja o pássaro é lilás ou púrpura? Quando menino, essa se chamava "cor de maravilha'", vasculha o protagonista da história, um crítico brasileiro que vive nos EUA.
"O gato comeu o pássaro? Está pensando no pássaro? Por que isso me preocupa?", inicia o personagem, como se a obra provocasse um desequilíbrio por vir.
Não é a primeira vez que Guzik calça um fluxo narrativo psicológico em impressões provocadas pela arte. Esse mesmo recurso já havia sido usado por ele nos sete contos reunidos no livro "O que É Ser Rio, e Correr?" (Editora Iluminuras), publicado em 2002.

REFERÊNCIAS TEATRAIS
Em um dos contos, por exemplo, um ator de filmes pornô experimenta uma desordem mental abastecida por uma versão cinematográfica de "Hamlet", com Laurence Olivier.
Em "Estátua de Sal de Sodoma", o pincel autobiográfico leva o autor a escrever 270 páginas para um só personagem, com referências a Zé Celso, Antunes Filho, Antônio Araújo e outras figuras do teatro brasileiro.
O teatro volta a ser tema do também inédito "Um Palco Iluminado", desta vez pela perspectiva de uma companhia dos anos 60 e 70, com cenas que rememoram Paulo Autran, Cacilda Becker, Ruth Escobar e a repressão do regime militar.


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