São Paulo, sábado, 21 de agosto de 2010

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CRÍTICA LIVRO

Domingos de Oliveira faz apanhado de uma vida dedicada à criação artística

LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA

A arte de transformar o vivido em obra aberta. "Minha Vida no Teatro", de Domingos de Oliveira, não é uma autobiografia comum. Uma curta introdução que resgata sua história como ator, dramaturgo e encenador não esgota o assunto.
Por exemplo, a menção a "Do Fundo do Lago Escuro", talvez seu melhor drama, só aparece tímida no fim, no ensaio republicado em que propõe sua poética teatral.
Mesmo a reunião das nove peças escritas na última década, parte principal do livro, não configura uma antologia convencional. Textos curtos e bem-humorados de ligação expõem o contexto de criação das peças, mas sem precisar datas. Tudo nesse volume de letras garrafais e efeitos gráficos duvidosos é idiossincrático.
Artista que, aos 74 anos, já assinou cerca de 150 realizações entre escritos, encenações dirigidas e atuadas e filmes rodados, Domingos imprime nesse apanhado de uma vida dedicada à criação dramática as mesmas características de toda sua obra.
Irreverência e humor cáustico temperados em frases recorrentes de efeito. De fato, a narrativa de Oliveira revela a si mesmo como um personagem solar, sem preconceitos e pleno de experiências ricas, e minimiza os aspectos sombrios.
Essa alegria manifesta e o modo leve como encara suas criações transbordam dos textos confessionais para essas suas últimas peças.
Em todas elas, das mais dramáticas às mais farsescas, há um travo cômico comum, o que as insere numa linhagem que tem João Bethencourt e Millôr Fernandes como principais referências. Eclético como autor, Domingos também trabalhou bastante na TV, dirigindo todo o tipo de produções.
É esse olhar de dentro da Globo para o meio teatral do Rio que o habilita, na sua breve estética, a desancar astros globais como irremediavelmente perdidos para a cena.
Seu olhar para o teatro, em reflexões oferecidas aos iniciantes, reflete, pois, essas influências e circunstâncias. De algum modo, Oliveira perfila ainda com a escola da crítica na primeira metade do século 20, para quem teatro é texto e o poeta dramático o seu artífice. Como um dramaturgo e encenador de muitos sucessos ele fala de cátedra.
Porém, considerando-se a teatralidade que se impôs desde os anos 60, essa visão desvela, afinal, o traço conservador do personagem libertário em quem se projeta.


MINHA VIDA NO TEATRO

AUTOR Domingos de Oliveira
EDITORA Leya Brasil
QUANTO R$ 59,90 (416 págs.)
AVALIAÇÃO bom




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