|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MEMÓRIA
Autor articulou cotidiano e absurdo
JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas
José J. Veiga foi um autor singular. Tentaram encaixotar sua obra
na categoria do "realismo fantástico". Pode ser. O que importa é
que seus romances e contos criaram um universo absolutamente
pessoal, fundado num modo original de articular o cotidiano e o
absurdo.
Nas narrativas de Veiga, o real e
o fantástico não são dimensões
distintas. São vasos comunicantes
ou, mais que isso, aspectos diversos de um mesmo mundo, de um
mesmo espaço sensível.
Quem quer que tenha lido um
romance como "A Hora dos Ruminantes" (1966) terá ficado marcado para sempre pela estranha e
perturbadoramente real atmosfera criada pelo autor.
No livro, um pacato lugarejo vê
com inquietação a chegada de forasteiros que, sem nada dizer,
constroem cercas e levantam edifícios (fábricas? galpões?) na vizinhança da aldeia.
Aos poucos, coisas estranhas
passam a acontecer, culminando
na invasão do lugarejo por centenas de bois.
Todas as interpretações foram
feitas, vinculando a invasão à
opressão política, ao "progresso"
que põe os povos em desarmonia
com a natureza, ao desequilíbrio
espiritual do homem contemporâneo etc.
Todas as leituras são lícitas, assim como a aproximação com as
narrativas de pragas bíblicas. Mas
o que torna mais inquietante o
texto de Veiga, e garante sua permanência, é a espessura das coisas que descreve.
Qualquer que seja seu sentido
simbólico, o absurdo narrado incomoda o leitor como uma presença física. Isso é um sortilégio
de que só os grandes artistas são
capazes.
Texto Anterior: Literatura: Morre aos 84 o escritor José J. Veiga Próximo Texto: "Fiquei velho olhando para o espelho" Índice
|