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MOSTRA RIO
Mamet filma com rigor o drama de um cadete
da Equipe de Articulistas
"O Cadete Winslow", de David
Mamet, programado para hoje no
Festival do Rio, será chamado pelos afoitos de "teatro filmado".
Nada mais falso.
Baseado na peça do britânico
Terence Rattigan "The Winslow
Boy" (1946), inspirada por sua vez
num caso real, o filme narra com
precisão e sutileza um drama judiciário exemplar. Na Inglaterra,
em 1912, o cadete Ronnie Winslow (Guy Edwards), de 13 anos, é
expulso da escola naval, acusado
de roubar de um colega um vale
postal no valor de cinco shillings.
Quando todos temem que o pai
do garoto, o austero Arthur
Winslow (Nigel Hawthorne), puna-o com rigor, o velho faz o contrário. Convencido da inocência
do filho, resolve mover montanhas para forçar a coroa britânica
a rever o caso. Para isso, contrata
um célebre advogado, o conservador e arrogante Sir Robert Morton (Jeremy Northan), o que provoca a oposição de sua filha, Catherine (Rebecca Pidgeon), radical defensora do voto feminino.
A situação evolui para uma espiral de complicações: enquanto a
coroa permanece inflexível e o caso ganha notoriedade nacional, a
família Winslow empobrece e é
hostilizada publicamente, Catherine é abandonada pelo noivo, o
outro irmão tem que deixar a faculdade, a mãe ameaça entregar
os pontos etc.
Para piorar, chega-se às vésperas da Primeira Guerra Mundial,
quando o sentimento patriótico
leva a uma coesão nacional em
torno da coroa e suas instituições.
São os Winslow contra o rei.
Nas mãos de um cineasta oportunista, essa trama teria tudo para
degenerar num catártico e rotineiro melodrama de tribunal.
David Mamet faz o contrário:
apega-se ao sentido ético do drama e rejeita as facilidades do espetáculo. Em seu filme tudo é sutil e
concentrado, dos enquadramentos à expressão dos atores, dos
diálogos exatos à sobriedade da
música. O resultado seria apenas
um engenhoso mecanismo de relojoaria -como acontece em "Jogo de Emoções"- se não fosse
animado por uma intensa força
humana e ética.
Há mesmo, pode-se dizer, uma
analogia entre a busca moral dos
personagens e a busca (igualmente moral) do diretor pela encenação adequada -vale dizer, não
corrompida. A integridade da
"mise-en-scène" paga tributo à
integridade dos Winslow.
Um exemplo entre muitos: em
vez de se refestelar (e refestelar-nos) com uma apoteótica cena final de julgamento, Mamet apresenta-nos os acontecimentos indiretamente, pelo relato de um
dos personagens.
A emoção torna-se mais interiorizada, matizada e verdadeira,
menos prostituída pelo clichê. Assim ocorre durante todo o filme,
que se torna dramaticamente
denso não pelo acúmulo de recursos, mas por sua escassez.
Essa estética da subtração, em
que o elidido ganha tanto peso
quanto o mostrado, só se realiza
plenamente graças ao extraordinário trabalho do elenco, com
destaque para o veterano Nigel
Hawthorne ("As Loucuras do Rei
George") e Rebecca Pidgeon
(mulher de David Mamet e atriz
de "Homicídio").
Em tempo: "The Winslow Boy"
tem uma versão anterior, dirigida
em 1949 pelo inglês Anthony Asquith e exibida no Brasil como
"Um Caso de Honra".
(JOSÉ GERALDO COUTO)
Filme: O Cadete Winslow
Direção: David Mamet
Com: Guy Edwards, Nigel Hawthorne, Rebecca Pidgeon e outros
Onde: hoje, às 17h e 22h, no Estação Paissandu (r. Senador Vergueiro, 35)
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