São Paulo, Terça-feira, 21 de Setembro de 1999
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MOSTRA RIO

Mamet filma com rigor o drama de um cadete

da Equipe de Articulistas

"O Cadete Winslow", de David Mamet, programado para hoje no Festival do Rio, será chamado pelos afoitos de "teatro filmado". Nada mais falso.
Baseado na peça do britânico Terence Rattigan "The Winslow Boy" (1946), inspirada por sua vez num caso real, o filme narra com precisão e sutileza um drama judiciário exemplar. Na Inglaterra, em 1912, o cadete Ronnie Winslow (Guy Edwards), de 13 anos, é expulso da escola naval, acusado de roubar de um colega um vale postal no valor de cinco shillings.
Quando todos temem que o pai do garoto, o austero Arthur Winslow (Nigel Hawthorne), puna-o com rigor, o velho faz o contrário. Convencido da inocência do filho, resolve mover montanhas para forçar a coroa britânica a rever o caso. Para isso, contrata um célebre advogado, o conservador e arrogante Sir Robert Morton (Jeremy Northan), o que provoca a oposição de sua filha, Catherine (Rebecca Pidgeon), radical defensora do voto feminino.
A situação evolui para uma espiral de complicações: enquanto a coroa permanece inflexível e o caso ganha notoriedade nacional, a família Winslow empobrece e é hostilizada publicamente, Catherine é abandonada pelo noivo, o outro irmão tem que deixar a faculdade, a mãe ameaça entregar os pontos etc.
Para piorar, chega-se às vésperas da Primeira Guerra Mundial, quando o sentimento patriótico leva a uma coesão nacional em torno da coroa e suas instituições. São os Winslow contra o rei.
Nas mãos de um cineasta oportunista, essa trama teria tudo para degenerar num catártico e rotineiro melodrama de tribunal.
David Mamet faz o contrário: apega-se ao sentido ético do drama e rejeita as facilidades do espetáculo. Em seu filme tudo é sutil e concentrado, dos enquadramentos à expressão dos atores, dos diálogos exatos à sobriedade da música. O resultado seria apenas um engenhoso mecanismo de relojoaria -como acontece em "Jogo de Emoções"- se não fosse animado por uma intensa força humana e ética.
Há mesmo, pode-se dizer, uma analogia entre a busca moral dos personagens e a busca (igualmente moral) do diretor pela encenação adequada -vale dizer, não corrompida. A integridade da "mise-en-scène" paga tributo à integridade dos Winslow.
Um exemplo entre muitos: em vez de se refestelar (e refestelar-nos) com uma apoteótica cena final de julgamento, Mamet apresenta-nos os acontecimentos indiretamente, pelo relato de um dos personagens.
A emoção torna-se mais interiorizada, matizada e verdadeira, menos prostituída pelo clichê. Assim ocorre durante todo o filme, que se torna dramaticamente denso não pelo acúmulo de recursos, mas por sua escassez.
Essa estética da subtração, em que o elidido ganha tanto peso quanto o mostrado, só se realiza plenamente graças ao extraordinário trabalho do elenco, com destaque para o veterano Nigel Hawthorne ("As Loucuras do Rei George") e Rebecca Pidgeon (mulher de David Mamet e atriz de "Homicídio").
Em tempo: "The Winslow Boy" tem uma versão anterior, dirigida em 1949 pelo inglês Anthony Asquith e exibida no Brasil como "Um Caso de Honra".
(JOSÉ GERALDO COUTO)


Filme: O Cadete Winslow
Direção: David Mamet
Com: Guy Edwards, Nigel Hawthorne, Rebecca Pidgeon e outros
Onde: hoje, às 17h e 22h, no Estação Paissandu (r. Senador Vergueiro, 35)




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