São Paulo, Terça-feira, 21 de Setembro de 1999
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ARNALDO JABOR

Ninguém ousa namorar as deusas do sexo

A indústria das hipergostosas está amedontrando os homens. A política está tão repulsiva que vou falar de sexo.
Outro dia, a Adriane Galisteu deu uma entrevista dizendo que os homens não querem namorar as mulheres que são símbolos sexuais. É isso mesmo. Quem ousa namorar a Feiticeira ou a Tiazinha? As mulheres não são mais para amar, nem para comer. São para "ver".
Que nos prometem elas, com suas formas perfeitas por anabolizantes e silicones? Prometem-nos um prazer impossível, um orgasmo metafísico, para o qual os homens não estão preparados.
As mulheres dançam frenéticas na TV, com bundas cada vez mais malhadas, com seios imensos, girando em cima de garrafas, enquanto os pênis-espectadores se sentem apavorados e murchos diante de tanta gostosura. Os machos estão com medo das "mulheres-liquidificador".
Essas fêmeas pós-industriais foram fabricadas pelo desejo dos homens ou, melhor, pelo desejo que eles gostariam de ter ou, melhor ainda, pelo poder fálico que as mulheres pensam que os homens possuem. O modelo da mulher de hoje, que nossas filhas almejam ser, é a prostituta transcendental, a mulher-robô, a "Valentina", a "Barbarella", a máquina-de-prazer sem alma, turbinas de amor com um hiperatômico tesão.
Antigamente, a prostituta era dócil e te servia. O homem pagava para ela "não" existir. Hoje, a cortesã moderna "existe" demais. Diante delas, todos se arriscam a broxar, apesar de desejá-las como nunca. A broxura que advém diante dessas deusas não é por moral ou culpa; é por impossibilidade técnica. Quem se atreve a cair nas engrenagens desses "liquidificadores"?
Que parceiros estão sendo criados para essas pós-mulheres? Não os há. Os "malhados", os "turbinados" geralmente são bofes-gay, filhos do mesmo narcisismo de mercado que as criou. Ou, então, reprodutores como o Szafir, para o Robô-Xuxa.
A atual "Revolução da Vulgaridade", regada a pagode, parece "libertar" as mulheres. Ilusão à toa. A "libertação da mulher" numa sociedade escravista como a nossa deu nisso: superobjetos se pensando livres, mas aprisionadas numa exterioridade corporal que apenas esconde pobres meninas famintas de amor e dinheiro. São escravas aparentemente alforriadas numa grande senzala sem grades.
Mas, diante delas, o homem normal tem medo. Elas são areia demais para qualquer caminhão. Por outro lado, o sistema que as criou enfraquece os homens que trabalham mais e ganham menos, têm medo de perder o emprego, vivem nervosos e fragilizados com seus pintinhos trêmulos, cadentes, a meia-bomba, ejaculando precocemente, puxando sacos, lambendo botas, engolindo sapos, sem o antigo charme jamesbondiano dos anos 60. No sexo neoliberal, o homem brasileiro perdeu o machismo orgulhoso do tempo das mulheres-objeto artesanais. A mulher pós-industrial o assusta. Não há mais o grande "conquistador". Temos apenas alguns "fazendeiros de bundas" como o Huck, enquanto a maioria virou uma multidão de "voyeurs", babando por deusas impossíveis. Diz uma amiga: "Não tem mais homem na praça. Só tem casado, "roubada" e veado".

O Messias-viagra
Essa superoferta de sexo rápido e maquinal está matando o mercado. A demanda diminui com o freguês inseguro, incapaz de consumir a mercadoria, ele se sentindo devorado pelo sanduíche que comprou. Vem aí uma recessão de corpos, com os preços caídos.
Ninguém confessa no Ocidente, mas os homens estão broxando em massa. Pesquisas nos EUA mostram que se transa cada vez menos no "turbo-capitalismo". Como amar entre celulares e Internets, com mulheres digitalizadas? Diante dessa velocidade, o sexo se esvai. A verdadeira sensualidade é lenta. Precisa do sossego, da meia-luz, do abandono, do tempo vago.
A volúpia precisa da calma.
Daí a chegada do "messias" dos paus: o Viagra. Não é para velhinhos tristes. Mentira. O Viagra vem preencher o buraco que a globalização abriu, poluído por Aids e angústias de castração. Mais que um remédio, o Viagra está virando um amuleto; só de carregá-lo no bolso, o macho já se sente mais forte.
O Viagra no Brasil virou o anabolizante dos pênis fracos, a contrapartida para as "mulheres-tchan". A rapaziada esta tomando Viagra para festinhas de embalo, para ser uma superoctanagem, um carburador-extra dos homens tímidos, possibilitando trepadas robóticas, onde os corpos se entrechocam sem ninguém dentro. Ninguém está ali na cama, a não ser dois competidores aerodinâmicos, duas "coisas" sexuais. Só com ajuda de ecstasy, Viagra, calmantes e coquetéis de chifre-de-rinoceronte é possível o encontro de corpos separados por "camisas-de-vênus", próteses e inibições.
Os casais, hoje, querem ser "coisas sexuais", eficientes, com uma liberdade física total que possa excluir um inconsciente cheio de problemas. Esta é a idéia: "Sou tão mais livre e feliz quanto mais usável! Uso o meu corpo como se fosse uma prótese, um "outro" que não sou eu, uma terceira-coisa na prateleira do supermercado". Nosso ideal é sermos desejados como um bom eletrodoméstico. Ninguém quer ser livre; queremos ser consumidos.
Infelizmente, o mito da liberdade total mata o desejo. A fé na carne como "coisa" sem-lei acaba em camas sem-prazer. O mercado está banalizando a perversão, numa espécie de "fetichização" do fetiche. Explico-me. O fetiche depende do segredo, do perigo, da escura experiência da transgressão à lei. Agora, o fetiche se "fetichizou" como mercadoria. Assim como nos anos 60 tudo ganhava o emblema da "revolução", hoje tudo caminha para uma "naturalização" banal. Tudo pode; nada se consegue. O pecado faz muita falta. As hipergostosas não têm namorado. "Ô, coitadas...!"



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