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Crítica/"Cafundó"
Devoto, filme ilumina o sincretismo religioso
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
O ex-escravo João de Camargo é até hoje cultuado no interior do
Brasil, sobretudo na região de
Sorocaba (SP), como santo milagroso, sob os nomes de Nhô
João ou Preto Velho. Foi a trajetória desse santo popular que
Paulo Betti resolveu levar às telas em sua estréia atrás das câmeras, "Cafundó".
Como parceiro, chamou o experiente cenógrafo e diretor de
arte Clóvis Bueno.
A biografia de João de Camargo é das mais ricas. Ex-escravo analfabeto transformado
em trabalhador rural sem eira
nem beira, foi soldado raso na
Revolução Federalista e sucumbiu ao alcoolismo até ter
uma visão que o direcionou para a missão religiosa.
Criou uma seita que fundia
princípios do cristianismo, do
candomblé e do espiritismo
cardecista. Virou uma figura
popular, misto de liderança religiosa e curandeiro.
Os temas iluminados pelo filme são muitos: a condição do
negro na sociedade pós-Abolição, a modernização conservadora do interior do país, o sincretismo religioso de nossa formação etc. Com a competência
e o vigor de sempre, Lázaro Ramos vive o personagem desde a
adolescência até a velhice.
Dois problemas impedem
"Cafundó" de ser um grande filme. O primeiro, que talvez se
deva à origem profissional dos
realizadores, é que tanto a direção de arte como a atuação do
elenco parecem se sobrepor à
narrativa. Em outras palavras:
os atores se destacam, a imagem é exuberante, mas falta a
concatenação cinematográfica
que lhe dê organicidade.
O segundo reparo diz respeito à adesão incondicional do filme ao personagem. É uma obra
de devoção, uma hagiografia
popular, o que oblitera uma visão crítica dos efeitos nocivos
da pregação de João, como a resistência à medicina moderna.
Muitos podem ter morrido por
conta dessa atitude ignorante.
Não cabe mistificá-la.
CAFUNDÓ
Direção: Paulo Betti e Clóvis Bueno
Produção: Brasil, 2005
Com: Lázaro Ramos, Leona Cavalli
Onde: estréia amanhã nos cines HSBC
Belas Artes, Cine Bombril e circuito
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