São Paulo, domingo, 21 de setembro de 2008

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vida cigana

Caso Jean Charles, do imigrante ilegal morto pela polícia londrina, vira filme estrelado por Selton Mello e com show de Sidney Magal

Carol Fontes - 8.set.08/Folha Imagem
Em boate de Londres, Magal faz show de uma só música, armado para o filme

PEDRO DIAS LEITE
DE LONDRES

"Tem a maior fila lá fora!", diz o ator Luís Miranda para um incrédulo Sidney Magal, no camarim de uma boate numa área pobre do sul de Londres. "Ah é? Eu achei difícil que viesse gente", responde o cantor, ao lado de dois dos três filhos. Na pequena sala, também está a atriz Vanessa Giácomo, com o filho de sete meses no colo. Em poucas horas, Magal vai subir ao palco, cercado por quatro mulheres de tops decotados e shortinhos apertados com estampa da bandeira do Brasil, para fazer um show de uma música só (mas tocada quatro vezes). "Eu trouxe até uma calcinha para tacar no palco. Sem o Henrique saber. E não é minha não, pelo amor de deus!", diz Vanessa.
O inusitado encontro tem um motivo: a gravação de uma cena para o filme sobre a vida do eletricista brasileiro Jean Charles de Menezes, assassinado pela polícia britânica em julho de 2005, confundido com um terrorista numa estação de metrô em Londres. Miranda faz o papel de Alex, um dos primos de Jean. Vanessa interpreta Vivian, outra prima do brasileiro. Henrique é Henrique Goldman, diretor e um dos roteiristas do filme. E Magal, apesar de ser Magal mesmo, está no lugar de Zeca Pagodinho.
Algumas semanas antes ficar tristemente famoso, Jean Charles viveu seu dia de herói em Londres. Zeca Pagodinho estava na cidade para um show e decidiu ir ao Feijão do Luís, um restaurante popular (e obviamente de feijoada) na Oxford street. Só que uma falha no bufê que mantém a feijoada aquecida quase atrapalhou os planos do cantor. Jean Charles, desempregado e triste, estava por lá. Consertou o problema e "salvou o dia". Para fazer o filme, a negociação com Pagodinho não avançou, e surgiu a idéia do show. Em vez de salvar a feijoada de Zeca Pagodinho, Jean Charles salva a apresentação de Sidney Magal. "Mantivemos o espírito do que aconteceu, o Jean Charles salvando a festa de um ídolo brasileiro", explica o roteirista Marcelo Starobinas.
O filme parte da história de Jean Charles (vivido por Selton Mello) para contar a vida dos milhares de brasileiros que moram no Reino Unido, seu cotidiano, suas dificuldades, suas barreiras e suas pequenas alegrias. Boa parte da ação gira em torno da chegada a Londres de uma das primas de Jean, Vivian, que mudou para a cidade poucos meses antes de sua morte. "É uma menininha inocente, jovem e insegura que se transforma numa mulher decidida. Uma caipirinha que vira uma power girl", explica o diretor. "O Brasil não conhece o Brasil do exterior muito bem. Quanto mais fora do Brasil, mais brasileiras as pessoas ficam", conta Goldman, fora do país há mais de duas décadas.

Um cara como a gente
A histórica começa com a chegada de Vivian a Londres e segue até algum tempo depois da morte de Jean. Vanessa, que interpreta a prima, chegou a dormir na casa dela em Gonzaga (MG) e conheceu os pais de Jean. "É a história de um cara como a gente, que gostava de sair, mas que também era super família", diz Starobinas (que trabalhou na Folha e na BBC). "Muita gente vai se surpreender com quão engraçada e divertida é a história antes de ficar trágica", afirma.
A idéia do filme surgiu em 2006, mas levou dois anos para que o projeto conseguisse sair do papel. Com os títulos provisórios de "Brazuca" ou "Leave to Remain" (permissão para ficar), deve ser lançado em meados de 2009. O filme tem produção-executiva de Stephen Frears e Rebecca O'Brien (sócia de Ken Loach), e é produzido pela Mango Filmes, de Goldman, e pela Já Filmes, de Carlos Nader. O orçamento gira em torno de R$ 8 milhões, captados meio a meio no Brasil e no Reino Unido, onde teve apoio do UK Film Council, órgão governamental, mas independente.
Alguns dos protagonistas da vida real fazem o papel deles mesmos no filme, como outra prima de Jean Charles, Patrícia, e como Maurício Varlotta, chefe do brasileiro por cinco anos. "Ele trabalhou comigo até acontecer essa desgraça", conta ele, antes de se dizer "um grande fã" de Magal.
Algumas horas mais tarde, ele é mais um nas dezenas de brasileiros que se aglomeram perto do palco ouvindo as ordens do diretor (as meninas que subiram no palco têm de subir de novo desta vez, mas na mesma ordem!) e Magal cantar: "Ah, eu te amo, ah, eu te amo meu amor! O meu sangue ferve por você!". A calcinha, branca de bolinhas pretas, voou pro palco.


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