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29ª BIENAL DE ARTES OPINIÃO
Pedido da OAB-SP é ato assustador de censura
Nota autoritária fere integridade da curadoria e subestima o público
ALEXANDRE VIDAL PORTO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Tem notícia que assusta. A
seção paulista da Ordem dos
Advogados do Brasil pedir
por nota pública a exclusão
de obras da próxima Bienal de São Paulo é uma delas.
O ato é assustador por várias razões. Primeiro, pelo caráter autoritário que revela.
Segundo, pelo entendimento equivocado que o motiva.
Por fim, porque, supostamente, é cometido em nome
da defesa do Estado de Direito e das instituições democráticas. O presidente da seccional de São Paulo, Luiz Flávio Borges D'Urso, que assina a nota, perdeu uma boa
oportunidade de omitir-se.
As obras que a OAB-SP sugere ocultar fazem parte da
série "Inimigos", de Gil Vicente. São desenhos grandes
(2 m por 1,5 m) feitos com carvão, nos quais o artista se retrata assassinando autoridades e figuras públicas. Entre
as "vítimas", estão o presidente Lula, dois governadores de Pernambuco, a rainha
da Inglaterra e o papa.
Segundo a OAB-SP, as
obras demonstram "desprezo pelo poder instituído, incitando ao crime e à violência".
D'Urso argumenta que "uma
obra de arte, embora livremente e sem limites expresse
a criatividade do seu autor,
deve ter determinados limites para sua exposição pública. Um deles é não fazer apologia ao crime, como estabelece a vedação inscrita no Código Penal Brasileiro".
Pela lógica de seu argumento, o presidente da OAB-SP considera que representar
artisticamente um crime
equivale a recomendar sua
execução. No entanto, retratar um assassinato não significa fazer apologia ao crime.
É o espectador quem dará
significado aos desenhos de
Vicente. A obra de arte é apenas uma representação que
adquire valor subjetivo para
quem a observa.
DIREITO DE DESPREZAR
A despeito do que critica a
nota, é legítimo e legal que
uma obra de arte represente
o desprezo do autor pelo poder instituído. Em um Estado
democrático, todos têm o direito de sentir desprezo por
qualquer pessoa ou instituição. Desprezar não é crime e,
mais importante, todos temos o direito de expressar o
desprezo artisticamente.
A prevalecer a linha de raciocínio da nota, talvez se devesse proximamente proibir
a exibição de artistas como
Hélio Oiticica, que recomendava ao público: "Seja marginal, seja herói".
Mais valioso para o Estado
de Direito do que uma cláusula do Código Penal -no
meu entender, mal interpretada pelo presidente da OAB-SP- é o espírito da Constituição Federal. Mais importantes são as liberdades e os direitos individuais, que servem de base e fundamento
para o Estado de Direito e as
instituições democráticas
que a OAB-SP pretende defender. A tentativa de controle social por meio da supressão de obras artísticas chama censura. Simples assim.
Caso os organizadores não
desistam de exibir os trabalhos, a OAB-SP promete recorrer ao Ministério Público
Estadual para pedir a retirada das obras e o indiciamento dos responsáveis por apologia ao crime. A pena prevista é de três a seis meses de detenção ou o pagamento de
multa. É ao que se arriscarão
os curadores e o presidente
da Bienal se quiserem resguardar a integridade do trabalho de concepção e organização da mostra.
A nota é autoritária e condescendente. Subestima a
capacidade de discernimento do brasileiro. É legítimo
perguntar até que ponto representa o entendimento jurídico e a sensibilidade política dos advogados paulistas.
Em qualquer hipótese, até
o momento, o que parece
atentar contra o Estado de Direito e as instituições democráticas não é a exibição das
obras de Gil Vicente na Bienal, mas, sim, o teor da nota
pública assinada por D'Urso.
A OAB-SP errou e precisa admitir seu equívoco.
ALEXANDRE VIDAL PORTO, mestre em
Direito pela Universidade de Harvard, é
diplomata e escritor.
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