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DISCO LANÇAMENTO
Gil globalizado encontra novos parceiros e namora a MPB
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local
"O Sol de Oslo", novo disco do
baiano Gilberto Gil, é mais uma
mostra de como a indústria musical brasileira de hoje caminha contra a experimentação.
Foi gravado em novembro de
1994 -exceto "Onde o Xaxado
Tá" e "Oslodum", registradas no
início deste ano- e até agora mofava no baú por pendengas pouco
explicadas entre gravadoras (Gil é
artista da WEA, que, parece, achou
o CD pouco comercial; o projeto é
de Rodolfo Stroeter, do selo Pau
Brasil, que afinal lança o produto).
Trata-se de um projeto de globalização. É o trabalho mais brasileiro de Gil desde "Refazenda" (75),
no sentido do uso das tradições
musicais locais. Mas foi gravado
em Oslo, Noruega, e é executado
por uma congregação transnacional -e ser atribuído, na capa, apenas a Gil parece mais uma vez
questão não artística.
O grupo inclui a cantora cearense
Marlui Miranda, o percussionista
indiano Trilok Gurtu, o baixista
paulista Rodolfo Stroeter, o pianista e tecladista norueguês Bugge
Wesseltoft e o sanfoneiro paulista
Toninho Ferragutti.
Se lançado à época, "O Sol de Oslo" estaria em sintonia com o globalizador mangue beat -que hoje
já se converteu em história.
Tal pode se perceber na bela regravação, com elementos eletrônicos, de "17 na Corrente" (Edgard
Ferreira-Manoel Firmino), clássico na voz do paraibano Jackson do
Pandeiro, ou em "Rep".
Esta, composta por Gil, recombina rap e repente sobre letra que
pende ao demagógico ("o povo sabe o que quer/ mas o povo também
quer o que não sabe"). É o ponto de
baixa, com a trocadilhesca "Oslodum" ("eu vou pra Oslo/ pra sair
no Oslodum/ um bloco asfro").
O projeto é de conferir status de
universalidade à raiz brasileira
-em que se trata de um aprofundamento das intenções do mangue, embora de resultado formal
bem menos ousado.
Apartado da ousadia, ganha estatura quando a veia globalizadora
se concentra mais na forma -a
técnica, os modos de tocar- que
no conteúdo -a sonoridade.
Por isso temas de domínio público recolhidos por Marlui ("Teus
Cabelos", "Ai Baiano") fazem Gil
soar experimental -e simples-
como há muito não acontecia.
São nessas canções que sua voz
ainda se evidencia capaz de emocionar, ainda que esteja nitidamente enfraquecida pelos anos
-ouça "Teus Cabelos". Versátil, a
de Marlui o acompanha de perto.
Surpreendentes são novas canções de raiz compostas por Gil.
Marcadas na simplicidade, as sertanejas "Xote", "Onde o Xaxado
Tá" (parcerias com Stroeter) e "Eu
Te Dei Meu Ané" (com Marlui) são
particularmente inspiradas.
Todas contêm achados de letra:
"Não adianta/ pirulito é pirulito/
periquito é periquito/ mito é mito e
deus é deus" ("Xote"); "o xaxado
tá/ na sandália do safado/ na espingarda do soldado/ na ordem do delegado/ na origem do sistema/ no
escurinho do cinema/ na comida
da jurema/ no canto da siriema"
("Onde o Xaxado Tá").
Podem se orgulhar de conviver
com "Língua do P", obra-prima de
Gil que Gal Costa gravou em 70 e o
autor retoma agora -mas em versão bem empalidecida.
No balanço, despojado e rodeado
de bons parceiros, Gil demonstra
que MPB, se não afogada em burrice mercadológica das gravadoras e
viagens de ego dos artistas, nem
sempre é sinônimo de indigência.
²
Disco: O Sol de Oslo
Artista: Gilberto Gil
Lançamento: Pau Brasil
Quanto: R$ 18, em média
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