São Paulo, segunda, 21 de setembro de 1998

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DISCO LANÇAMENTO
Gil globalizado encontra novos parceiros e namora a MPB

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local

"O Sol de Oslo", novo disco do baiano Gilberto Gil, é mais uma mostra de como a indústria musical brasileira de hoje caminha contra a experimentação.
Foi gravado em novembro de 1994 -exceto "Onde o Xaxado Tá" e "Oslodum", registradas no início deste ano- e até agora mofava no baú por pendengas pouco explicadas entre gravadoras (Gil é artista da WEA, que, parece, achou o CD pouco comercial; o projeto é de Rodolfo Stroeter, do selo Pau Brasil, que afinal lança o produto).
Trata-se de um projeto de globalização. É o trabalho mais brasileiro de Gil desde "Refazenda" (75), no sentido do uso das tradições musicais locais. Mas foi gravado em Oslo, Noruega, e é executado por uma congregação transnacional -e ser atribuído, na capa, apenas a Gil parece mais uma vez questão não artística.
O grupo inclui a cantora cearense Marlui Miranda, o percussionista indiano Trilok Gurtu, o baixista paulista Rodolfo Stroeter, o pianista e tecladista norueguês Bugge Wesseltoft e o sanfoneiro paulista Toninho Ferragutti.
Se lançado à época, "O Sol de Oslo" estaria em sintonia com o globalizador mangue beat -que hoje já se converteu em história.
Tal pode se perceber na bela regravação, com elementos eletrônicos, de "17 na Corrente" (Edgard Ferreira-Manoel Firmino), clássico na voz do paraibano Jackson do Pandeiro, ou em "Rep".
Esta, composta por Gil, recombina rap e repente sobre letra que pende ao demagógico ("o povo sabe o que quer/ mas o povo também quer o que não sabe"). É o ponto de baixa, com a trocadilhesca "Oslodum" ("eu vou pra Oslo/ pra sair no Oslodum/ um bloco asfro").
O projeto é de conferir status de universalidade à raiz brasileira -em que se trata de um aprofundamento das intenções do mangue, embora de resultado formal bem menos ousado.
Apartado da ousadia, ganha estatura quando a veia globalizadora se concentra mais na forma -a técnica, os modos de tocar- que no conteúdo -a sonoridade.
Por isso temas de domínio público recolhidos por Marlui ("Teus Cabelos", "Ai Baiano") fazem Gil soar experimental -e simples- como há muito não acontecia.
São nessas canções que sua voz ainda se evidencia capaz de emocionar, ainda que esteja nitidamente enfraquecida pelos anos -ouça "Teus Cabelos". Versátil, a de Marlui o acompanha de perto.
Surpreendentes são novas canções de raiz compostas por Gil. Marcadas na simplicidade, as sertanejas "Xote", "Onde o Xaxado Tá" (parcerias com Stroeter) e "Eu Te Dei Meu Ané" (com Marlui) são particularmente inspiradas.
Todas contêm achados de letra: "Não adianta/ pirulito é pirulito/ periquito é periquito/ mito é mito e deus é deus" ("Xote"); "o xaxado tá/ na sandália do safado/ na espingarda do soldado/ na ordem do delegado/ na origem do sistema/ no escurinho do cinema/ na comida da jurema/ no canto da siriema" ("Onde o Xaxado Tá").
Podem se orgulhar de conviver com "Língua do P", obra-prima de Gil que Gal Costa gravou em 70 e o autor retoma agora -mas em versão bem empalidecida.
No balanço, despojado e rodeado de bons parceiros, Gil demonstra que MPB, se não afogada em burrice mercadológica das gravadoras e viagens de ego dos artistas, nem sempre é sinônimo de indigência.
²
Disco: O Sol de Oslo
Artista: Gilberto Gil
Lançamento: Pau Brasil
Quanto: R$ 18, em média




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