São Paulo, Quinta-feira, 21 de Outubro de 1999
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LITERATURA
Os atores Christiane Tricerri e Pascoal da Conceição lerão hoje, na Folha, textos de autor cubano
Piñera emerge dos porões de Fidel

CYNARA MENEZES
especial para a Folha


A verve de Virgilio Piñera, poeta e ficcionista, por anos escondida pelo regime cubano, será redescoberta hoje, na Folha, pelas mãos de dois enamorados de sua obra: Teresa Cristófani Barreto, professora de Literatura Hispano-Americana da USP, e Daniel Samoilovich, editor da revista argentina "Diario de Poesía", cujo último número é dedicado a Piñera, no 20º aniversário de sua morte, completo em agosto.
Cristófani Barreto e Samoilovich comentarão textos de Piñera e os atores Christiane Tricerri e Pascoal da Conceição lerão contos do autor cubano, contemporâneo do poeta José de Lezama Lima (1910-1976) e muitas vezes apontado como sua antítese. Eram, segundo estudiosos dos dois, como "O Gordo e o Magro" da literatura da ilha. Lezama era forte e erudito; Piñera era delgado e falava a linguagem dura das ruas. Ambos eram homossexuais.
Lezama e Piñera foram "inimigos íntimos" que alternaram cumplicidade e aversão. Quando Lezama Lima morreu, três anos antes dele, Piñera descreveria a relação: "Por um prazo que não posso assinalar/ Me levas a vantagem de tua morte/ O mesmo que na vida, foi tua sorte/ chegar primeiro. Eu, em segundo lugar".
Lezama, de fato, foi mais afortunado: descoberto por Julio Cortázar, saiu do limbo em que tinha sido colocado ao romper com o regime de Fidel Castro. Piñera morreu pobre e até hoje é desconhecido fora e até dentro de Cuba. Seu livro "A Carne de René" (publicado no Brasil pela Siciliano, atualmente esgotado), editado na Argentina em 52, só foi publicado em Cuba em meados dos anos 90.
Piñera, de família humilde e numerosa, nasceu em 1912 na província de Matanzas, viveu 12 anos em Buenos Aires, entre 1946 e 1958. Voltou à ilha às vésperas da revolução, em 59, à qual se alinhou. "Ao contrário do que diz a crítica de esquerda norte-americana, Piñera não era um contra-revolucionário. Até 59, não tinha atividades políticas, mas defendeu a revolução. Dizia que era a única solução para os cubanos", diz Cristófani Barreto. "Os problemas dele começaram em 61, quando Cuba se alinhou à União Soviética e homossexuais passaram a ser perseguidos, condenados à prisão e até à morte."
Com sua obra não-engajada e "antibarroca", Piñera criou sua lenda à margem dos estilos literários e da esquerda latino-americana, na moda durante os anos 60 e 70. Cabrera Infante chamou sua escrita de "literatura de lavadeiras", pelo popular da linguagem. Também tratou de espalhar histórias sobre Piñera, como a de que Che Guevara teria jogado para o alto um livro seu, encontrado na embaixada cubana em Argel, perguntando o que fazia ali um livro "daquela bicha".
"A coisa ficou feia para ele em 71, quando foi proibido de viver como escritor, de ler poemas em público ou de fazer conferências. Como cala-boca, o regime deu a ele um emprego de tradutor de francês para textos feitos na África", diz Teresa Cristófani Barreto.
Ela conheceu a obra do autor nos anos 80, quando convidada pela Iluminuras para traduzir "Contos Frios". Quem quiser conhecer a poesia do cubano, inédita no país, pode conferir no site que fez para divulgar a obra: www.fflch.usp.br/sitesint/virgilio.
O evento de hoje será às 19h30, no auditório da Folha (al. Barão de Limeira, 425, 9º andar, Campos Elíseos, região central). A entrada é franca. Reservas devem ser feitas, das 14h às 17h, pelo tel. 0/xx/ 11/224-3473.


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