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"LUA CHEIA"
Espanhol rasga com honra cartilha do romance policial
EDSON FRANCO
EDITOR DO TV FOLHA
Com certeza , o escritor espanhol Antonio Muñoz Molina, 44, leu a cartilha do bom romance policial. Leu e rasgou. E
como testamento dessa sua relação com os autores que o precederam no estilo, escreveu "Lua
Cheia", que a Companhia das Letras lança agora no Brasil.
Estão ali os elementos da superfície de todas as tramas policialescas, de Agatha Christie a Lawrence Block, passando por Raymond
Chandler e Dashiell Hammett. O
crime, o investigador implacável,
o quebra-cabeças aparentemente
insolúvel, os desvios e atalhos
guiados pela paixão ou pelo sexo.
Muñoz Molina vai muito mais
fundo, mais exatamente na parte
do cérebro (ou da alma) em que
os personagens -ordinários, sob
qualquer análise- armazenam
suas memórias mais inconfessáveis. Justamente aquelas que acabam ditando boa parte das ações.
E, por falar em ação, ela é relegada à função de pano de fundo em
"Lua Cheia". Uma ousadia, em se
tratando de um livro que vai ter
como vizinhos de prateleira obras
muito mais recheadas de sangue,
tiros e perseguições. Mas nem
mesmo o mais renitente entusiasta de tramas mais tensas do que
densas vai deixar de admirar a
maneira como o autor visita os lados obscuros dos personagens.
Muito mais do que revelá-los,
Muñoz Molina os constrói, pedaço por pedaço. Em vez de jogar
sujo e guardar na manga o ás da
resolução do caso no último capítulo, o autor começa a vasculhar a
psique do assassino ainda no primeiro terço da obra.
Chega-se ao fim do livro sem saber o nome do assassino. Mas que
falta isso faz? A mesquinharia na
revelação desse dado passageiro é
compensada pela generosidade
com que são expostas informações mais endoscópicas. Assim,
mesmo que não saibamos os nomes de um ou outro personagem,
sabemos como eles funcionam.
Não, para manter a atenção do
seu leitor, Muñoz Molina não
apela para o recurso fácil do voyeurismo psicológico. Não é a curiosidade pelo pensamento alheio
que faz as páginas da obra se sucederem com fluidez quase incontrolável, mas sim a importância
que é dada ao aparentemente comum, ao universal que salta das
migalhas da individualidade.
Isso aproxima a trama do cotidiano. Estamos diante de um assassinato e suas inevitáveis decorrências, mas as emoções expostas
ali podem ser experimentadas no
trânsito ou numa reunião de trabalho. Por essas e outras, "Lua
Cheia" é inesquecível.
Embora seja o que o livro tem
de menos importante, eis a trama:
um policial basco em fim de carreira vai a uma cidadezinha no sul
da Espanha para resolver o caso
de uma menina que foi violentada
e morta quando estava a caminho
de uma papelaria para comprar
material escolar.
O maior mérito de Muñoz Molina é pegar uma premissa tão estreita e fazer o mundo girar em
torno dela.
Lua Cheia
Plenilunio
Autor: Antonio Muñoz Molina
Tradução: Sérgio Molina
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 34,50 (416 págs.)
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