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LIVRO/LANÇAMENTO
Obra conta história da grande literatura polonesa
NELSON ASCHER
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS
Um polonês, questionado
sobre contra quem lutaria
inicialmente no caso de uma dupla invasão de seu país, pela Alemanha a oeste e pela Rússia a leste, responde que começaria pelos
alemães: "Primeiro o trabalho,
depois o prazer". Nessa piada célebre, resume-se a tragédia geopolítica que, mais do que qualquer outra coisa, determinou os
últimos séculos de uma nação.
Espremida entre vizinhos vorazes, belicosos e, pior, mais fortes
do que ela, a Polônia, depois de
ser sucessivamente retalhada no
final do século 18, desapareceu do
mapa enquanto país independente, ressurgindo após a Primeira
Guerra Mundial só para voltar a
submergir duas décadas depois.
As revoltas, durante o século 19,
dos poloneses contra os ocupantes russos tornaram-se um sinônimo de causa nobre e heróica,
mas perdida. Foi nessa época
também que o vínculo entre nacionalidade e religião católica se
solidificou, e o país passou a se
considerar o "Cristo entre as nações". No entretempo, a Polônia
consolidou-se como a nação centro-européia arquetípica, com
seus paradoxos, fronteiras cambiantes, cidades batizadas com
vários nomes (Lwów, Lemberg,
Leópolis e Lipotvár são nomes de
uma mesma cidade que já foi polonesa e, chamando-se Lviv, pertence hoje à Ucrânia) e mescla de
características do ocidente e do
oriente europeus: uma nação na
qual se falava uma língua eslava,
mas cujos paradigmas culturais se
originavam na Itália e na França.
É típico, portanto, que alguns
dos mais renomados escritores de
origem polonesa tenham escrito
em outras línguas, inscrevendo-se
em outras literaturas: Jozef Nalecz
Konrad Korzeniowski (que se celebrizou, em inglês, como Joseph
Conrad); Wilhelm de Kostrowitzky (mais conhecido como o
poeta francês Guillaume Apollinaire); Joseph Roth (romancista
de língua alemã radicado na Áustria); e Isaac Bashevis Singer (autor ídiche que fixou residência
nos EUA). Se a fama desses superou a de Jan Kochanowski, Adam
Mickiewicz ou Cyprian Kamil
Norwid, para citar apenas três dos
maiores poetas poloneses, respectivamente da Renascença, do romantismo e do simbolismo ou
pré-modernidade, não foi por estes últimos terem menos talento,
mas apenas porque escreveram
numa língua menos acessível.
Trata-se, assim, de uma coincidência feliz que, no ano em que a
Feira de Livros de Frankfurt homenageia a Polônia, publique-se
no Brasil uma ótima história de
sua literatura. Henryk Siewierski,
seu autor, nasceu em Cracóvia, é
professor de teoria literária na
Universidade de Brasília, e, dominando o português como se fosse
sua língua nativa, já fez mais pela
divulgação das grandes obras polonesas no Brasil do que qualquer
outra pessoa, tanto como ensaísta, quanto como tradutor dos
contos de Bruno Schulz (publicados graças ao empenho editorial
de Arthur Nestrovski) e da poesia
de Czeslaw Milosz, Wislawa
Szymborska, Zbigniew Herbert e
Tadeusz Rozewicz.
É óbvio que não há como se esmiuçar num pequeno livro mais
de meio milênio de criação, mas,
dirigida antes aos leigos interessados do que ao público erudito, a
história de Siewierski apresenta,
numa sequência de ensaios e vinhetas instigantes, os principais
poetas e prosadores de seu país,
ilustrando sua exposição com a
tradução de muitos poemas, e
não se esquecendo de oferecer
uma bibliografia das traduções já
publicadas no Brasil e em Portugal. Um trabalho como esse serve
para lembrar mais uma vez ao leitor brasileiro que não é só em inglês ou francês que se tem produzido grande literatura.
História da Literatura Polonesa
Autor: Henryk Siewierski
Editora: UNB
Quanto: R$ 24 (246 págs.)
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