São Paulo, sábado, 21 de outubro de 2000

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LIVRO/LANÇAMENTO
Obra conta história da grande literatura polonesa

NELSON ASCHER
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Um polonês, questionado sobre contra quem lutaria inicialmente no caso de uma dupla invasão de seu país, pela Alemanha a oeste e pela Rússia a leste, responde que começaria pelos alemães: "Primeiro o trabalho, depois o prazer". Nessa piada célebre, resume-se a tragédia geopolítica que, mais do que qualquer outra coisa, determinou os últimos séculos de uma nação.
Espremida entre vizinhos vorazes, belicosos e, pior, mais fortes do que ela, a Polônia, depois de ser sucessivamente retalhada no final do século 18, desapareceu do mapa enquanto país independente, ressurgindo após a Primeira Guerra Mundial só para voltar a submergir duas décadas depois.
As revoltas, durante o século 19, dos poloneses contra os ocupantes russos tornaram-se um sinônimo de causa nobre e heróica, mas perdida. Foi nessa época também que o vínculo entre nacionalidade e religião católica se solidificou, e o país passou a se considerar o "Cristo entre as nações". No entretempo, a Polônia consolidou-se como a nação centro-européia arquetípica, com seus paradoxos, fronteiras cambiantes, cidades batizadas com vários nomes (Lwów, Lemberg, Leópolis e Lipotvár são nomes de uma mesma cidade que já foi polonesa e, chamando-se Lviv, pertence hoje à Ucrânia) e mescla de características do ocidente e do oriente europeus: uma nação na qual se falava uma língua eslava, mas cujos paradigmas culturais se originavam na Itália e na França.
É típico, portanto, que alguns dos mais renomados escritores de origem polonesa tenham escrito em outras línguas, inscrevendo-se em outras literaturas: Jozef Nalecz Konrad Korzeniowski (que se celebrizou, em inglês, como Joseph Conrad); Wilhelm de Kostrowitzky (mais conhecido como o poeta francês Guillaume Apollinaire); Joseph Roth (romancista de língua alemã radicado na Áustria); e Isaac Bashevis Singer (autor ídiche que fixou residência nos EUA). Se a fama desses superou a de Jan Kochanowski, Adam Mickiewicz ou Cyprian Kamil Norwid, para citar apenas três dos maiores poetas poloneses, respectivamente da Renascença, do romantismo e do simbolismo ou pré-modernidade, não foi por estes últimos terem menos talento, mas apenas porque escreveram numa língua menos acessível.
Trata-se, assim, de uma coincidência feliz que, no ano em que a Feira de Livros de Frankfurt homenageia a Polônia, publique-se no Brasil uma ótima história de sua literatura. Henryk Siewierski, seu autor, nasceu em Cracóvia, é professor de teoria literária na Universidade de Brasília, e, dominando o português como se fosse sua língua nativa, já fez mais pela divulgação das grandes obras polonesas no Brasil do que qualquer outra pessoa, tanto como ensaísta, quanto como tradutor dos contos de Bruno Schulz (publicados graças ao empenho editorial de Arthur Nestrovski) e da poesia de Czeslaw Milosz, Wislawa Szymborska, Zbigniew Herbert e Tadeusz Rozewicz.
É óbvio que não há como se esmiuçar num pequeno livro mais de meio milênio de criação, mas, dirigida antes aos leigos interessados do que ao público erudito, a história de Siewierski apresenta, numa sequência de ensaios e vinhetas instigantes, os principais poetas e prosadores de seu país, ilustrando sua exposição com a tradução de muitos poemas, e não se esquecendo de oferecer uma bibliografia das traduções já publicadas no Brasil e em Portugal. Um trabalho como esse serve para lembrar mais uma vez ao leitor brasileiro que não é só em inglês ou francês que se tem produzido grande literatura.

História da Literatura Polonesa
    
Autor: Henryk Siewierski
Editora: UNB
Quanto: R$ 24 (246 págs.)



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