São Paulo, sábado, 21 de outubro de 2006

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Livros

Sábato Magaldi revisita crítica em livro

O crítico lança compilação de textos, alguns inéditos, e guarda anotações em 48 cadernos que só virão a público após sua morte

"Teatro Sempre" reúne 29 textos, incluindo análises e comentários sobre dramaturgos como Oswald de Andrade e Dias Gomes


VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Para Décio de Almeida Prado (1917-2000), cânone da reflexão teatral no país, "o crítico ideal talvez seja aquele que deixou de escrever e do qual só subsistem as qualidades na memória generosa de seus admiradores".
Sábato Magaldi, 79, torce para que seja assim lá pelos 30 anos depois de sua morte, quando, supõe, poderiam ser publicadas as suas "Crônicas da Vida Teatral". Já são 48 os cadernos, de cerca de 400 páginas cada um, em que desde os anos 60 ele aponta à caneta bastidores da classe teatral -ou seja "aquilo que não dá para publicar no jornal".
"São anotações que podem ajudar a esclarecer porque determinado artista fez isso ou aquilo em sua carreira. Às vezes, são situações chatas de trazer a público. Como o sujeito que é casado com uma atriz, briga e se casa com outra, isso se reflete em seu trabalho", diz.
Enquanto guarda o projeto a sete chaves, alimentando-o de quando em quando, o crítico, historiador, professor aposentado da USP e membro da Academia Brasileira de Letras revisita ensaios ou textos para palestras, alguns inéditos, escritos nas últimas cinco décadas.
É o que se lê em "Teatro Sempre", lançamento da coleção Estudos da editora Perspectiva e prolongamento do livro "Depois do Espetáculo" (2003), em que o autor já compilava artigos sob igual recorte.
Agora, são 29 textos variados, sobretudo análises e panoramas históricos. Consta, por exemplo, uma rara entrevista com o comediógrafo Silveira Sampaio (1914-64), feita em 1956, exposição de face pouco conhecida pelas novas gerações do Magaldi noticiarista, como se dizia, repórter do "Jornal da Tarde" (1962-88) e do "Suplemento Literário" (1956-67) de "O Estado de S. Paulo".
O arquivo pessoal guarda entrevistas com personalidades como o ator Sérgio Cardoso (1925-72) e o filósofo francês Jean-Paul Sartre (1905-80), matéria-prima garantida para, quem sabe, um compêndio de encontros notáveis.
Sempre atento ao "lugar da palavra no teatro" (Artur Azevedo, Qorpo-Santo, Oswald de Andrade, Ariano Suassuna, Dias Gomes, Jorge Andrade, Oduvaldo Vianna Filho, Plínio Marcos e Augusto Boal são alguns dos dramaturgos que ganham comentários à parte), "Teatro Sempre" acolhe ainda uma crítica de uma produção contemporânea. Trata-se de "A Falecida", de Nelson Rodrigues, na montagem carioca de Gabriel Villela feita em 1994.
"Nelson Rodrigues marcou os principais personagens da peça com o estigma da frustração. [...] O pessimismo do dramaturgo não é, porém, silencioso, e Gabriel Villela soube torná-lo gritante, feérico, hiperbólico."

Réplica
Magaldi diz que raramente suas críticas eram replicadas. Houve uma polêmica histórica com José Celso Martinez Corrêa, que dirigiu a criação coletiva "Gracias, Señor" no teatro Oficina, em 1972. "Achei que a idéia era boa, mas ele não tinha sido feliz na realização. É justo que a pessoa fique furiosa. Passa meses preparando, então vem o chato do crítico e faz comentário destruindo o trabalho; é mais que razoável que a pessoa fique louca da vida."
Trecho da "Carta aberta a Sábato Magaldi, também servindo para outros, mas principalmente destinada aos que querem ver com olhos livres", como intitulou Zé Celso: "Olha, Sábato, a única maneira de você escrever sobre esse trabalho era fazendo uma viagem na tua função social de crítico. Pois lá, na sala onde você esteve não estando, era só nisso que pensávamos quando te olhávamos. Era na pessoa atrás do terno e gravata e da risada de sala de visitas mineira. Nós o amamos muito naquele momento e sentimos todas as suas couraças, mas você não quis deixar o seu dever profissional -o tiro saiu pela culatra."
Em seus escritos, Magaldi toma cuidado em ressalvar que, às vezes, poderia ter sido mais vertical em um ponto ou outro, lacuna a ser preenchida por demais pesquisadores. "Faço uma contribuição que outros também vão dar. A soma de tudo vai propiciar, inclusive, que se realize uma boa história do teatro brasileiro", afirma. E exercita a autocrítica: "Fiz um "Panorama do Teatro Brasileiro" [1962 e 1997] que acho que tem seu lugar, mas está longe de ser aquilo o teatro brasileiro exigiria."
Magaldi recupera-se de uma queda sofrida semanas atrás, quando tropeçou numa dessas bolas de metal plantadas na calçada para que carros não estacionem, à custa das canelas alheias. A dor diminuiu e possibilitou sua ida a Curitiba na semana passada. Num encontro com universitários, declarou: "Sei, pelo estudo da história do teatro, que os críticos muitas vezes se enganaram, e provavelmente me incluo entre eles, embora não recorde nada de que deva me arrepender. É que julgo o amor pelo teatro e a boa fé as qualidades primeiras da função de crítico."


TEATRO SEMPRE
Autor:
Sábato Magaldi
Editora: Perspectiva
Quanto: R$ 40 (248 págs.)


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