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ANÁLISE
Mostra tem filmes menos conhecidos
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Já que a Mostra de São Paulo
desencanou de trazer as grandes retrospectivas que a marcaram no ano passado, o CCBB
faz o favor de abrir, a partir de
hoje, uma retrospectiva dedicada a R.W. Fassbinder (1945-1982), o mais radical e controvertido dos autores que deram
existência, nos anos 70, ao chamado "novo cinema alemão".
Antes de conhecê-lo, o mundo conheceu Werner Herzog,
Wim Wenders, H.J. Syberberg
ou Alexander Kluge. Fassbinder talvez não tivesse tempo
para outra coisa além de filmar.
Como se adivinhasse a morte
prematura, realizou 43 filmes
entre 1966 e 1982, ano em que
morreu por uma overdose. A
lista inclui alguns curtas, é verdade, mas os 14 episódios do
grandioso "Berlim Alexanderplatz" contam por um.
A desigualdade da produção
fassbinderiana é notória. Não
pode ser vista como defeito,
mas como aspecto estruturante de seu cinema. Tendo muito
a dizer, optou por dizê-lo com
um sentido de urgência raro,
frenético. Era capaz de abordar
qualquer tema: a sexualidade, a
homossexualidade, a política, o
terrorismo político, o milagre
alemão, o poder, o sofrimento,
a imigração e o preconceito, o
casal em crise, a música, a mulher, o nazismo etc. Nada lhe
escapava, talvez por isso tenha
se destacado mais tarde que os
cineastas de sua geração: foi um
autor de obra, mais do que de
grandes filmes esparsos.
Na verdade, os grandes filmes aconteceram. Desde pelo
menos "O Casamento de Maria
Braum", de 1979, teve à disposição orçamentos mais generosos. A retrospectiva traz filmes
menos conhecidos, do começo
de carreira, ou produzidos com
orçamentos modestos.
Nada mais difícil (ou inútil)
do que tentar definir Fassbinder por seu estilo. Ele podia ser
lento ou agitado, distantemente brechtiano ou apaixonadamente melodramático, embora
tenha explorado os matizes entre as duas extremidades. De
comum, a ideia de que a moderna Alemanha é uma instituição
doente. A retrospectiva trará 13
filmes em película e trabalhos
em outros suportes (entre eles
"Berlin Alexanderplatz"), documentários e filmes de autores que o inspiraram.
Na leva, vêm os dois curtas de
início de carreira e "O Amor É
Mais Frio que a Morte" (1969),
um policial não por acaso dedicado a vultos da nouvelle vague
francesa, assim como obras-primas como "Roleta Chinesa"
(1976), "Mamãe Kusters Vai ao
Céu" (1975), "O Direito do Mais
Forte" (1975). Nada mais provisório, porém, que destacar este
ou aquele trabalho: pela vastidão, a obra de Fassbinder permanece, em boa medida, desconhecida, ou mesmo esquecida.
Mesmo o filme mais modesto, no entanto, carrega a vontade feroz de criar a sua versão da
Alemanha contemporânea e,
por meio dela, do mundo como
lugar de extrema crueldade, em
que a miséria e a infelicidade
triunfam sobre os impulsos generosos. A retrospectiva é uma
bela oportunidade para ver ou
rever, conhecer ou reconhecer
fragmentos significativos de
uma das obras mais complexas
do cinema moderno.
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