São Paulo, quarta-feira, 21 de novembro de 2007

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Umberto Eco investiga fascínio exercido pelo feio

Em "História da Feiúra", autor compila imagens e excertos que moldaram o conceito

Para escritor italiano, feio é sempre o "outro", aquilo que não conhecemos; livro sugere que, hoje, noção foi incorporada à idéia de belo


Divulgação
"Mulher Grotesca' (1525-1530), obra atribuída a Quentin Metsys


NOEMI JAFFE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

"Como as mulheres são lindas! Inútil pensar que é do vestido... E depois não há só as bonitas: há também as simpáticas. E as feias, certas feias em cujos olhos vejo isto: uma menininha que é batida e pisada e nunca sai da cozinha.Como deve ser bom gostar de uma feia! O meu amor, porém não tem bondade alguma. É fraco! fraco!"
Se Umberto Eco conhecesse a literatura brasileira, não teria deixado de incluir o poema de Manuel Bandeira na sua mais recente antologia, "História da Feiúra" (ed. Record, 453 págs., R$ 127). Algumas perguntas que reverberam durante a leitura do livro são: mas o que é o feio? Por que o feio é feio?
O próprio Umberto Eco, é claro, busca responder, na introdução, dizendo que existem três tipos de feio: o feio em si (um excremento, uma carcaça), o feio formal (um desequilíbrio entre as partes de um todo) e, finalmente, o feio artístico (a representação artística dos dois feios anteriores).
A explicação é suficiente e exaustiva teoricamente, mas, com a leitura das incríveis imagens e excertos que vão desde a Antigüidade grega até a atualidade, passando por bandas pop e histórias em quadrinhos, algumas perguntas ressoam sem resposta: é possível dizer que o mau é bonito? Alguém como Hitler pode ser considerado bonito? Que conexões existem entre a ética e a feiúra? Até que ponto o feio é relativo à cultura, ao tempo e ao espaço?
Como provas do quanto a idéia de "feio" é relativa, Eco fornece exemplos engraçadíssimos. Sobre Bach já foi dito, por exemplo: "Suas composições são totalmente desprovidas de beleza". E sobre a quinta, de Beethoven: "Uma orgia de estrondos e vulgaridade".
Uma resposta que certamente contém muitas dessas dúvidas, e que é um aprendizado proveniente do livro de Eco, é que o feio é sempre o "outro". Como o inferno de Sartre, feios são os outros. Feio é o outro de nós, o excremento. O outro da moral acomodada, nossos recalques, nossos monstros que só aparecem no recesso do quarto, ou, mais reprimidos ainda, nos inacessíveis sonhos.
Feio é aquilo que não conhecemos e é por isso, entre outras coisas, que é bom ler um painel como o de Umberto Eco. Para nos familiarizarmos com esses territórios que teimamos em negar em nome da manutenção de um frágil conforto. O livro de Eco não se pretende mesmo mais do que um painel extenso da história de um fenômeno anômalo e ainda misterioso.
São descrições, imagens e trechos muito bem selecionados, surpreendendo e espantando o tempo todo. A beleza, afinal, é fácil. Por que o feio nos aterroriza e fascina há tanto tempo?
O que se pode concluir, com a leitura da "História da Feiúra" é que a arte parece ter caminhado, da Grécia até hoje, do belo para o feio. Porque, se o belo ideal, ligado ao bem e à verdade, era a síntese do que se buscava em arte na Grécia antiga, o livro mostra que, hoje, o que se busca é, entre muitas coisas, o feio: do kitsch ao camp, ao urinol, ao orgânico, ao pauvre, às vanguardas, à decomposição, o feio foi incorporado à nossa idéia do belo. Mas nosso coração é fraco, fraco...


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