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Crítica/"Feliz Natal"
Selton Mello dirige retrato incômodo de família em ruína
Estréia do ator na direção aborda quarentão que volta à casa do irmão para o Natal
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
A tola controvérsia em
torno da nudez de Graziella Moretto deslocou
para uma questão secundária o
foco da discussão do filme de
estréia de Selton Mello como
diretor. Não é o nu frontal da
atriz -aliás, rápido e discreto-
o que "Feliz Natal" tem de incômodo, e sim o retrato cruel da
deterioração de relações
familiares.
Não por acaso, o protagonista, o quarentão Caio (Leonardo
Medeiros), tem um ferro-velho. É de vidas e afetos sucateados que trata o filme.
Depois de anos vivendo no
interior, afastado da família,
Caio volta à casa do irmão,
Theo (Paulo Guarnieri), para a
comemoração do Natal. Reencontra ali a mãe alcoólatra
(Darlene Glória), o pai devasso
(Lúcio Mauro), a cunhada insatisfeita (Graziella Moretto), os
sobrinhos transformados em
vorazes consumidores mirins.
Com uma pegada quase de
"home movie", a narrativa não
entrega nada de imediato. Aos
poucos, o espectador vai construindo as relações pregressas
entre os personagens, descobrindo o que fazem na vida e
como chafurdam, cada qual em
sua própria lama. Demora também para ser desvelado o trauma que afastou Caio do rebanho e o tornou um fracassado
irremediável.
Theo é o irmão materialmente bem-sucedido, que sustenta
a casa e dá dinheiro ao irmão e
aos pais. Mas é um sujeito
amargo, travado, com dificuldades de relacionamento com a
mulher, os filhos, o pai. Este último, desbocado, ressentido e
amoral, vive com uma mocinha
fogosa e se entope de Viagra.
O mínimo que se pode dizer a
favor do longa de estréia de Selton Mello é que não se trata de
um filme vulgar, telenoveleiro,
como tantos por aí.
Entre os seus acertos, o mais
feliz é a escolha do elenco. Leonardo Medeiros exibe a competência habitual no papel do "sujeito com um passado". Mas é
nos atores veteranos que reside
a força maior de "Feliz Natal".
Darlene Glória, a eterna Geni
de "Toda Nudez Será Castigada", entrega-se aqui a uma performance igualmente intensa e
corajosa, em que cada sílaba,
cada olhar, vem carregado da
amargura de uma vida desperdiçada. Lúcio Mauro, ator pouco aproveitado no cinema, faz
de seu personagem o contraponto perfeito ao de Darlene.
Assim como sua ex-mulher, o
pai de Caio e Theo visitou os infernos, mas não voltou de lá
com desespero, e sim com um
cinismo irredutível.
Outra boa surpresa é o retorno ao cinema de Paulo Guarnieri, depois de um longo afastamento. Seu personagem carrega nos ombros o peso de se
sentir responsável por todos.
Selton Mello, ele próprio um
ator de grande talento, revela-se um ótimo diretor de atores,
extraindo de seu elenco uma
veracidade bruta, dilacerante.
Excessos
Se na dramaturgia o cineasta
estreante nada de braçada, o
mesmo não se pode dizer da
construção cinematográfica da
narrativa. Há uma louvável
tentativa de adequação da decupagem, da condução da câmera e da textura da imagem ao
universo dramático explorado,
mas os excessos "artísticos", a
busca afoita da originalidade a
todo custo, acabam por prejudicar o conjunto.
A imagem, "suja" e granulada, parece mimetizar o desgaste, a ferrugem que corrói os objetos, os corpos e as almas. Mas
o excesso de primeiríssimos
planos resulta enjoativo e maneirista depois de umas tantas
cenas. Um pouco mais de contenção e objetividade só faria o
filme crescer.
FELIZ NATAL
Produção: Brasil, 2008
Direção: Selton Mello
Com: Leonardo Medeiros, Paulo Guarnieri, Darlene Glória, Lúcio Mauro
Onde: em cartaz nos cines Pátio Higienópolis 3, Market Place 1 e circuito
Classificação indicativa: não recomendado a menores de 14 ano
Avaliação: bom
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