São Paulo, sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Crítica/"Feliz Natal"

Selton Mello dirige retrato incômodo de família em ruína

Estréia do ator na direção aborda quarentão que volta à casa do irmão para o Natal

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

A tola controvérsia em torno da nudez de Graziella Moretto deslocou para uma questão secundária o foco da discussão do filme de estréia de Selton Mello como diretor. Não é o nu frontal da atriz -aliás, rápido e discreto- o que "Feliz Natal" tem de incômodo, e sim o retrato cruel da deterioração de relações familiares.
Não por acaso, o protagonista, o quarentão Caio (Leonardo Medeiros), tem um ferro-velho. É de vidas e afetos sucateados que trata o filme.
Depois de anos vivendo no interior, afastado da família, Caio volta à casa do irmão, Theo (Paulo Guarnieri), para a comemoração do Natal. Reencontra ali a mãe alcoólatra (Darlene Glória), o pai devasso (Lúcio Mauro), a cunhada insatisfeita (Graziella Moretto), os sobrinhos transformados em vorazes consumidores mirins.
Com uma pegada quase de "home movie", a narrativa não entrega nada de imediato. Aos poucos, o espectador vai construindo as relações pregressas entre os personagens, descobrindo o que fazem na vida e como chafurdam, cada qual em sua própria lama. Demora também para ser desvelado o trauma que afastou Caio do rebanho e o tornou um fracassado irremediável.
Theo é o irmão materialmente bem-sucedido, que sustenta a casa e dá dinheiro ao irmão e aos pais. Mas é um sujeito amargo, travado, com dificuldades de relacionamento com a mulher, os filhos, o pai. Este último, desbocado, ressentido e amoral, vive com uma mocinha fogosa e se entope de Viagra.
O mínimo que se pode dizer a favor do longa de estréia de Selton Mello é que não se trata de um filme vulgar, telenoveleiro, como tantos por aí.
Entre os seus acertos, o mais feliz é a escolha do elenco. Leonardo Medeiros exibe a competência habitual no papel do "sujeito com um passado". Mas é nos atores veteranos que reside a força maior de "Feliz Natal".
Darlene Glória, a eterna Geni de "Toda Nudez Será Castigada", entrega-se aqui a uma performance igualmente intensa e corajosa, em que cada sílaba, cada olhar, vem carregado da amargura de uma vida desperdiçada. Lúcio Mauro, ator pouco aproveitado no cinema, faz de seu personagem o contraponto perfeito ao de Darlene.
Assim como sua ex-mulher, o pai de Caio e Theo visitou os infernos, mas não voltou de lá com desespero, e sim com um cinismo irredutível.
Outra boa surpresa é o retorno ao cinema de Paulo Guarnieri, depois de um longo afastamento. Seu personagem carrega nos ombros o peso de se sentir responsável por todos.
Selton Mello, ele próprio um ator de grande talento, revela-se um ótimo diretor de atores, extraindo de seu elenco uma veracidade bruta, dilacerante.

Excessos
Se na dramaturgia o cineasta estreante nada de braçada, o mesmo não se pode dizer da construção cinematográfica da narrativa. Há uma louvável tentativa de adequação da decupagem, da condução da câmera e da textura da imagem ao universo dramático explorado, mas os excessos "artísticos", a busca afoita da originalidade a todo custo, acabam por prejudicar o conjunto.
A imagem, "suja" e granulada, parece mimetizar o desgaste, a ferrugem que corrói os objetos, os corpos e as almas. Mas o excesso de primeiríssimos planos resulta enjoativo e maneirista depois de umas tantas cenas. Um pouco mais de contenção e objetividade só faria o filme crescer.


FELIZ NATAL
Produção: Brasil, 2008
Direção: Selton Mello
Com: Leonardo Medeiros, Paulo Guarnieri, Darlene Glória, Lúcio Mauro
Onde: em cartaz nos cines Pátio Higienópolis 3, Market Place 1 e circuito
Classificação indicativa: não recomendado a menores de 14 ano
Avaliação: bom



Texto Anterior: Fast fashion
Próximo Texto: Cinema: Documentário sobre sanfoneiros é aplaudido no Festival de Brasília
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.