São Paulo, domingo, 21 de novembro de 2010 |
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Mônica Bergamo bergamo@folhasp.com.br O anti-capitão Nascimento
O deputado que inspirou o diretor José Padilha em "Tropa 2" anda com pelo menos quatro seguranças, vive em áreas de conflito no Rio e acaba de se reeleger com os votos de Padilha, Wagner Moura, Fernanda Torres e mais 170 mil eleitores "Quem não quer morar aqui, agora que não tem violência?", pergunta o deputado estadual Marcelo Freixo, recém-reeleito pelo PSOL, no alto da favela Chapéu Mangueira, no Leme, zona sul do Rio de Janeiro. "É a melhor vista da cidade", diz ele à repórter Teté Ribeiro.
É a primeira visita que o
parlamentar faz a uma "comunidade", como são chamadas as favelas do Rio, depois de reeleito no mês passado com mais de 170 mil votos. E depois da estreia de
"Tropa de Elite 2", do diretor
José Padilha. Um dos personagens centrais do longa, o
deputado Diogo Fraga (interpretado por Irandhir Santos),
ligado aos direitos humanos,
é baseado em Freixo.
"Conheço o Padilha desde que ele fez o documentário "Ônibus 174" [de 2002].
Participamos de um debate e
ficamos amigos", conta. O diretor virou eleitor de Freixo.
Atores de "Tropa 2", como
Wagner Moura, também declararam votos, além de estrelas como Fernanda Torres
e Fernanda Abreu.
Debates são parte essencial da agenda do professor e
ativista. Assim como visitas a
favelas, presídios e zonas de
conflito.
"Você é o primeiro político que eu vejo aqui depois
de uma eleição", afirma Valdinei Medina, de 29 anos,
nascido e criado na área e
presidente da associação
Amigos de Chapéu Mangueira. "Antes da eleição chove
candidato na favela", ironiza
Valdinei. Ele afirma que a segurança do morro está de fato garantida desde que foi
instalada uma UPP (Unidade
de Polícia Pacificadora) bem
na entrada do morro.
Mas isso não basta. "Temos um posto de saúde prontinho, com consultório de
odontologia montado e um
monte de medicamentos,
mas não tem dentista nem
médico", diz. A creche, criada pelos moradores em 1992
e que atende 75 crianças, não
pagou neste mês o salário
das funcionárias. Marcelo
promete tentar resolver, ou
pelo menos chamar a atenção para os problemas, assim
que chegar ao gabinete.
"O que mais mandam
pra gente é anticoncepcional", conta Valdinei. "Tem
caixas e caixas de pílula
aqui", diz, apontando um armário cheio de remédios. "É
a política de saúde do governo, dar anticoncepcional para pobre", diz o deputado.
"Um dos problemas da
UPP é que ela se instala e a favela vira bairro. Aí começa a
chegar conta de luz, conta de
água, vem um fiscal dizer
que a construção está irregular, que a casa tem que ser demolida", explica. "Quero ver
agora qual vai ser o projeto
para manter a população que
criou essa comunidade aqui.
Senão eles vão ser obrigados
a mudar para mais longe, e
começa a vir morar aqui gente que tem mais dinheiro". É
o que ele chama de "a grande
ameaça branca."
No alto do morro, uma
situação preocupante. A sede da associação dos moradores, um cômodo úmido e
sem ventilação, foi tomada
por 12 pessoas que perderam
suas casas. Homens, mulheres e crianças dormem no
chão. Valdinei e o político
vão até lá. "O cheiro é terrível", lamenta Freixo. "Não
quero só mostrar as coisas
boas", explica Valdinei.
Um assessor interrompe
para passar um telefonema
urgente. Em Vargem Pequena, uma favela da zona oeste
dominada por milícia, chegou a polícia para demolir as
casas de uma grande área. Os
moradores vão resistir. Marcelo se inflama, pede para o
assessor conseguir o telefone
do comandante do batalhão
que está no local.
Guilherme Pimentel, de
25 anos, consegue o número
em minutos. Estudante de direito da Uerj, trabalha há
quatro anos com Freixo. É ele
que sopra o número das leis
que o deputado deve mencionar na conversa com o comandante. "É a lei 2898-98,
decreto 41.130 de 2008, da
Casa Civil. Eles deviam ser
notificados e não foram."
Marcelo liga para o comandante geral da polícia,
"mas ele nunca atende o telefone de manhã". Já passam
das 11h. Decide seguir a programação do dia e acompanhar o caso pelo telefone.
"Vargem Pequena é área de
milícia. Se eu for pra lá, só
aumenta o problema."
Desde que começou a
denunciar casos de corrupção no mesmo ano em que
presidiu a CPI das milícias,
em 2008, que culminou com
a cassação do deputado Natalino Guimarães, do DEM,
Freixo anda com pelo menos
quatro seguranças. Sua casa,
em Niterói, é vigiada o tempo
todo. Em quatro situações,
planos para matá-lo foram
interceptados pela polícia.
"Eu sabia dos riscos e
entrei nessa história porque
quis. A militância pelos direitos humanos fez a minha vida, não posso virar as costas
para isso",diz. O jeito foi alterar alguns hábitos em nome
da segurança. "Não vou mais
ao Maracanã com meu filho,
não vou à praia com minha
filha, não vou a uma roda de
samba na rua. Nado em um
clube fechado, ouço samba
em um lugar discreto em Niterói. Sei que sou uma encrenca, falo isso para a minha mulher o tempo todo."
Marcelo já chama de
mulher sua namorada, a jornalista Renata Stuart, com
quem vai se casar em dezembro. Ela mora no Leblon, onde ele passa algumas noites
por semana. No resto do tempo, fica em Niterói, onde nasceu e onde moram seus pais.
Depois de casados, os dois
vão morar em Niterói. É o segundo casamento dele.
Depois do almoço, vai
para a Assembleia Legislativa. Lá, encontra Wagner
Montes (PDT), o único deputado mais votado que ele nas
eleições. Wagner é uma das
inspirações para outro personagem de "Tropa 2", um dos
vilões do filme, o deputado e
apresentador Fortunato, interpretado por André Mattos.
"Briguei muito com o
Wagner no começo da CPI
das milícias. Ele achava que
ir contra elas ia beneficiar o
tráfico", lembra Marcelo.
"Depois ele entendeu o problema e passou a votar sempre comigo. Hoje é um aliado." E os dois têm relações
para lá de cordiais. "O Padilha foi ao programa dele pra
deixar claro que o Wagner
era uma entre várias inspirações do personagem, mas o
personagem não é ele."
Se não fosse eleito, o
plano de Freixo era ir embora
do Brasil. "Sem a segurança
que o governo me dá, não poderia continuar aqui." O plano era pedir ajuda à Anistia
Internacional e se mudar para um país onde pudesse
continuar atuando como defensor dos direitos humanos.
Mas venceu e ficou. E
tem mais três entrevistas na
agenda. Pede desculpas e
deixa o celular ligado, porque continua acompanhando a situação de Vargem Pequena. Guilherme, o assessor, foi para lá e liga sempre
que a situação ameaça piorar. Marcelo fala com um repórter do jornal "Extra" sobre eleições, depois com um
jovem do site do Conselho
Regional de Psicologia, sobre
psicólogos que atuam em
presídios. E, por fim, com a
TV pública francesa France
5, sobre a cultura do funk.
Essa gravação é interrompida por mais um telefonema: ele conseguiu impedir
o despejo e a demolição das
casas de Vargem Pequena.
As famílias vão ter mais 30
dias para recorrer ou arrumar
um lugar para ir. O terreno,
invadido, é de uma construtora, que venceu na Justiça o
processo de reapropriação.
Às 16h30, pontualmente,
toda terça, quarta e quinta,
dias de plenário, Marcelo se
impôs um compromisso: derrubar a sessão da Assembleia
para protestar contra a falta
de quorum. Na terça, 9 de novembro, o plenário está
cheio. "Faz dois meses que
isso não acontece!" Ele quer
votos para uma CPI que investigue a compra, que acredita ser superfaturada, de
medicamentos pela Secretaria de Saúde do Rio.
No fim do dia, atende a
um telefonema da namorada
e diz que vai dormir naquela
noite em Niterói, pois tem
que comparecer a um lançamento de livro de um ex-policial lá. E, no dia seguinte, vai
bem cedinho à Polinter, uma
prisão de segurança máxima
da qual 11 presos fugiram de
madrugada. "Quando tem
fuga, os presos que ficam
apanham muito", justifica. |
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