XICO SÁ
COLUNISTA DA FOLHA

Em matéria de educação sentimental, eu vos digo: Odair José é o meu Gustave Flaubert.
O romance da empregada e de todas as iniciações de um cabra marcado para as obviedades sentimentais, cafonas. Existe outro roteiro para um homem sem qualidades feito este cronista?
Trilha de infância de todos os marmanjos acima dos 40, Odair dividia com os boleros do cubano Bienvenido Granda as dores de amor da minha família. Quem está presente nessa hora vinga como memória do afeto que nunca se encerra.
Play, again, Waldick Soriano! Esse era o outro cara que mandava nos nossos sentimentos. Porque viver é cantar mal e porcamente o mais cafona dos boleros no karaokê de Deus.
Odair, que ouvia Waldick, que juntos eram amados por Reginaldo Rossi, para quem essa parada de brega é puro preconceito de classe.
"Já repararam nos versos do Frank Sinatra?", indagou certo dia o Rossi, dirigindo-se a este que vos escreve e ao cineasta Paulo Caldas. Fazíamos juntos um musical sobre o artista. "Frank é canção romântica americana, belo rótulo, nós somos condenados a uma certa breguice, tudo bem, vamos em frente."
Não é que eles reneguem o amor da massa. É só uma dificuldade em entender o tratamento, diferenciado, da mídia, compreende?
Agora ficou fácil, com a mediação do "cult", mas antes era um inferno.
Esqueça tudo o que estamos falando, amigo. Odair, há séculos, assumiu o amor explícito pelas domésticas, foi censurado pela ditadura, tirou e pôs em outro lugar as damas da noite, respeitou a quem devia respeito. Palmas.
Como se nada disso bastasse, cantou a melhor música em língua portuguesa de todos os tempos: "Se eu soubesse que eu iria lhe perder/ Não teria acostumado minhas coisas com você".
Sábio! Quando o amor acaba, as coisas matam um homem. Já tive um ralador de queijo que ralava a minha pele quando a mulher da minha vida foi embora.


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