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São Paulo, domingo, 21 de dezembro de 2003

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Diretor de "Pulp Fiction" fala de seu longa "Kill Bill", que não considera violento; "É só um filme", diz

Tarantino atira para falar

Stefano Paltera/Associated Press
O americano Quentin Tarantino, 40, diretor do longa "Kill Bill - Volume 1"


SÉRGIO DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL

Ao entrevistador, a impressão que Quentin Tarantino dá é a de que basta que alguém lhe fale uma palavra ou frase -qualquer uma; "batatas fritas", por exemplo-, e ele tem uma tese a respeito, sempre dita num ritmo alucinado, muitas sentenças disparadas por minuto.
O que faz com que o original cineasta norte-americano de 40 anos seja Quentin Tarantino e não o maluco da esquina, no entanto, é que a tese é bem argumentada, dá uma aula de cultura pop e ele a conta da maneira mais interessante possível.
Foi assim durante uma entrevista telefônica da qual a Folha participou, dada a partir de Los Angeles, na qual o diretor de (novos) clássicos como "Cães de Aluguel" e "Pulp Fiction" falou de seu quarto longa, "Kill Bill - Volume 1" (a continuação da história, o volume 2, será lançada no ano que vem), que estréia no Brasil em março e vem causando polêmica pelos decalitros de sangue que mostra em detalhe.
Mas falou também da língua portuguesa, de Uma Thurman (heroína de "Kill Bill") e das melhores batatas fritas de McDonald's.
Sim, porque ele testa o cardápio da rede de fast food em todos os países aos quais seus filmes o levam -e são dezenas por ano. O objetivo é checar "se o gosto é mesmo sempre igual". Por enquanto, a melhor é de Estocolmo, na Suécia.

VIOLÊNCIA - As pessoas dizem: "Este é seu filme mais abertamente violento". Eu não concordo. Em minha opinião, "Cães de Aluguel" é muito mais violento. Não estou falando só da violência explícita, embora mesmo assim "Cães" seja mais violento. O que acontece em "Kill Bill" é tão absurdo que é como se não passasse no mesmo planeta que o nosso. Quando você corta o braço de alguém na vida real, não vê veias do tamanho de mangueiras nem o sangue jorrando como se fosse uma fonte. É isso que faz com que "Kill Bill" não seja deste planeta, e caia no absurdo. Mesmo assim, não é um tipo de violência que eu tenha inventado. O cine japonês, por exemplo, fez antes e faz pior.

FASCÍNIO DA VIOLÊNCIA - Eu cresci durante os anos 70, época de ouro do chamado "exploitation cinema" (cinema apelativo). E eu assistia a esses filmes. Então, quando ouço alguém dizer que "Kill Bill" é o filme mais violento já feito nos EUA, penso, "Bem, pode ser o mais violento que você viu, mas definitivamente não é o mais violento a que eu assisti!" Quando você cresce com isso, não há grandes questões morais, é apenas mais um filme. E, na verdade, a violência é um dos aspectos mais cômicos que você pode colocar num filme. Então, eu não tenho problemas com isso, faz parte do vocabulário tanto do meu cérebro quanto do meu cinema.

VISITA AO BRASIL - Não vejo como vingança ou algo negativo o fato de minha entrevista coletiva sobre "Cães de Aluguel" durante a 16ª Mostra de Cinema de São Paulo, em 1992, ter sido acompanhada por menos de dez jornalistas e de hoje eu ser um dos sujeitos mais assediados pela imprensa. Vejo [esta mudança] mais como marca do meu impacto no cinema mundial.

LÍNGUA PORTUGUESA - Passei em São Paulo um dos momentos mais divertidos de minha carreira. Por dois segundos eu realmente achei que fosse aprender a falar português, que é maravilhoso. Depois, tudo bem, ri de tudo aquilo, porque não tinha a paixão necessária para aprender. Mas por um momento pensei: "Man, eu vou aprender português, essa língua é muito legal!".

O ROTEIRO - Eu e [a atriz] Uma Thurman tivemos a idéia deste roteiro mais ou menos ao mesmo tempo em que fazíamos "Pulp Fiction". Havíamos filmado o dia inteiro, num clima maravilhoso, e fomos a um bar no fim da tarde. Enquanto bebíamos, eu disse a ela o quanto adorava este subgênero chamado "filme de vingança". Daí logo pensamos na idéia da matadora de aluguel que é traída por seus colegas, entra em coma e depois sai para se vingar. Escrevi dez páginas e coloquei de lado. Só fui ver o material de novo três anos atrás.

UMA THURMAN - Na verdade, eu me mudei para Nova York para ficar perto dela enquanto escrevia o roteiro.

IMITADORES - Eu fico lisonjeado. Explico: o meu diretor preferido já foi Sergio Leone, o inventor do western-spaghetti. Depois de seu "Por Um Punhado de Dólares" (1964), fizeram uns 300 filmes no gênero, de diferentes diretores, alguns bons, outros não, mas todos apareceram graças a ele. Fico orgulhoso de ter criado um estilo que é imitado. Alguns fizeram boas coisas, outros fizeram merda...

INTERVALO ENTRE FILMES - Entre "Jackie Brown" (1997) e "Kill Bill" eu não parei. Na verdade, fiquei escrevendo como um louco e acabei criando quatro filmes diferentes. As pessoas diziam "Ele está com bloqueio de escritor" e na verdade eu não conseguia era parar de escrever. Achei até bom deixar toda aquela coisa de celebridade e voltar à caneta e ao pedaço de papel, à experiência solitária de escrever -você não escreve durante shows nem dando entrevistas, mas em restaurantes, numa corrida de táxi... Demorei muito? Sim, definitivamente. Mas não foi de propósito. Só que nunca vou ser aquele cara que faz um filme a cada ano ou a cada dois anos. É importante viver a vida. Não quis passar os últimos dez anos em locações e na mesa de edição. Tenho uma vida, quero conhecer pessoas, e não apenas pessoas de Hollywood, mas os garçons e garçonetes, os barmen, pessoas comuns ganhando a vida.

BATATAS FRITAS - Eu sei que isso vai parecer maluquice, mas é a absoluta verdade. Todas as vezes que chego a um país entro num McDonald's, só para testá-lo e ver o que é diferente e o que não é. E, de todos os McDonald's do mundo, as batatas fritas do de Estocolmo (Suécia) são as melhores. (risos) É a pura verdade. Voltei lá três anos depois, para checar se da primeira vez não era apenas questão de safra ou algo assim, e pude comprovar.


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