São Paulo, sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

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"Nossa tropicália começou só agora"

Kevin Johansen lança "Logo", álbum em que satiriza gêneros consagrados

Cantor argentino nascido no Alasca e revelado em Nova York tem música brasileira e grandes nomes da cena mundial como referência

Divulgação
O cantor argentino Kevin Johansen, que lança "Logo'; ele tem canção gravada por Paula Toller e gosta de ouvir Caetano Veloso

SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

Ele se diz um "subtropicalista". Com nome de gringo, mas a alma carregada de melancolia platense, Kevin Johansen, 41, nasceu no Alasca, naturalizou-se argentino, canta em inglês, espanhol e um pouco em português. Um perfil para confundir qualquer um que queira defini-lo. Mas ele tem uma boa teoria sobre o contexto que o criou.
"A Argentina passa hoje por aquilo que vocês brasileiros viveram nos anos 70. Estamos deixando de idealizar o europeu, o norte-americano, e olhando para nós com menos pessimismo e auto-flagelação. É uma melhora de humor com a gente mesmo, mais ou menos como aconteceu com a onda tropicalista aí", explica.
Johansen acaba de lançar seu quarto CD na Argentina, "Logo", ao lado da fiel banda The Nada. Só agora, porém, começou a ser conhecido no Brasil, depois que a cantora Paula Toller gravou "À Noite Sonhei Contigo", versão da fofíssima "Anoche Soñé Contigo".
Em setembro, Johansen se apresentou no festival "Mercosur Musical", em Brasília, junto a outros artistas que, em torno do Rio da Prata, estão criando uma linguagem própria -também apelidada de "estética do frio"-, que mistura a nostalgia "sureña" com a bossa nova, o samba e a MPB. Entre os parceiros de Johansen nessa onda estão os uruguaios Jorge Drexler e Luciano Supervielle (do Bajofondo) e os brasileiros Vítor Ramil e Paulinho Moska.
"De algum modo estamos nos sentindo mais próximos, pela globalização, pelo fato de os brasileiros terem hoje menos preconceito com relação ao mexicano, ao colombiano, ao argentino e vice-versa. O fato de rirmos uns dos outros é o melhor sinal de que há mais vontade de nos vermos com menos ignorância, e independentes como grupo, em relação ao mercado internacional."
A relação com a música brasileira é um dos eixos da música de Johansen. "Logo", a canção que dá nome ao álbum, brinca com a expressão "No Logo", criada pela canadense Naomi Klein e que dá título a seu livro, transformado em manifesto da geração anti-globalização.
Com percussão brasileira, Johansen diz que a faixa é uma resposta divertida a esse chamamento político. Em favor de uma espécie de "logo" bem peculiar, e de sentido positivo.
"Adoro clichês, e gêneros de características marcantes que se transformam em clichês. O disco é uma busca por eles, cada canção é uma sátira a um estilo." De fato, há brincadeiras com o country norte-americano (em "Susan Surrender"), o samba (em "Fantasmas de Carnaval") e o "son" cubano (em "Son del MP3"), entre outros.
"O "logo" do título é uma brincadeira com os significados dessa palavra em espanhol, em português e em portunhol. Um jogo com os lugares comuns ligados a ela. Como o "até logo" de vocês, o "luego" nosso, que é um deixar pra depois. E o "não tein logo", puro portunhol, sobre o logo como marca."
Outra característica do álbum é a referência a mitos da música internacional. "Tenho especial admiração por personalidades fortes que viram também por si só um gênero. Fundam um universo ao qual outros aderem depois."
Caetano Veloso, James Brown ou Tom Waits estão entre esses seus gurus. "São tios a quem ouço e me fazem pensar que têm uma personalidade que virou algo maior que eles." No álbum, está a homenagem a Leonard Cohen. "Everybody Knows", célebre música do cantor canadense, que em sua voz virou "Everybody Says".
"Essa eu compus caminhando por Nova York. As pessoas se dizem por lá: "Don't be a stranger" é uma frase feita, um alerta, "não seja um estrangeiro", no sentido de "mantenha os pés no chão". É um pouco usada como o nosso "no te pierdas" [não se perca]". Johansen disse que, quando alguém lhe disse a frase em inglês, refletiu sobre a analogia entre "everybody knows" (todo mundo sabe) e "everybody says" (todo mundo diz). "São expressões que viram códigos de comunicação que todo mundo entende."

Olhar gringo
Johansen manda um recado aos norte-americanos que transformam a América Latina num clichê negativo em "Cliche Latino, Cliche Gringo": "Che, gringo, no entendés nada/ pero te gusta, te gusta la pachanga" (Ei, gringo, você não entende nada/ Mas gosta, gosta da pachanga [ritmo dançante de origem cubana]".
Conhecer o olhar norte-americano com relação aos latino-americanos foi fácil por ter vivido dez anos em Nova York. Lá, foi descoberto por Hilly Krystal, dono da mítica casa de shows CBGB, que então criava seu próprio selo. Johansen ganhou espaço semanal na casa, onde tocava todos os sábados.
O cantor se diz afortunado por ter voltado à Argentina em 2000. "Pouco antes de as Torres Gêmeas caírem. Depois, infelizmente, vivi o começo do nosso pesadelo" -referindo-se à crise argentina de 2001. "Mesmo isso virou uma experiência positiva, pois assisti, e fiz parte, do bom momento cultural que se instalou aqui passada a fase mais dura."


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