São Paulo, domingo, 21 de dezembro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Mônica Bergamo

bergamo@folhasp.com.br

Copo de leite

Fotos Gilberto Tadday/Folha Imagem
Estilista por acaso, a carioca Anne Fontaine entrou na moda para ajudar a salvar os negócios do marido francês, Ari Zlotkin

Filha de um francês com uma brasileira, a carioca Anne Fontaine virou estilista por acaso e fez da camisa branca a sua porta-bandeira no mundo da moda. Por Teté Ribeiro, de Nova York

Filha de um francês com uma brasileira, a carioca Anne Fontaine fez da camisa branca a sua porta-bandeira no mundo da moda. Por Teté Ribeiro, de Nova York

Eu era uma "garrota da Urrrca", diz Anne Fontaine, com um português com sotaque carioca de berço e francês por hábito. Agora, aos 37 anos, a estilista que fez da camisa branca um objeto de desejo e sua marca registrada é dona de um pequeno império que inclui 70 lojas nos Estados Unidos, Europa, Ásia e Oriente Médio. Todas levam seu nome, que é também o nome da grife que criou, por acaso, 15 anos atrás.

 


Anne tinha ido embora do Brasil aos 20 anos para fazer faculdade em Paris, terra de seu pai, que morreu quando ela era criança. Antes de mudar de vez para a França, fez uma viagem de mochila nas costas durante um ano e meio pela região Norte brasileira, que culminou com uma estada entre os índios Canela, na beira do rio Tapajós. Como gosta de falar dessa experiência, muita gente pensa que ela é amazonense.

 


"Sou apaixonada pela natureza e meu sonho era me formar em biologia e fazer produtos de beleza", disse, na semana passada, em sua nova loja em Nova York, aberta há quatro meses na avenida Madison, entre as ruas 61 e 62, a um quarteirão da Barney's e numa das regiões mais emperiquitadas de Manhattan. Não à toa, é ali que Anne pretende instalar seu primeiro spa nos EUA -o outro fica em Paris-, em meados de 2009, onde oferecerá tratamentos e produtos de beleza que também levam seu nome.

 


Foi durante a faculdade de biologia que ela conheceu o marido, o industrial francês Ari Zlotkin. "Tinha conseguido um trabalho em um barco de pesquisa financiado pelo príncipe Rainier, de Mônaco. Ficava seis meses em Paris, seis meses no barco." Numa das estadas na cidade, ele, que não se conformava com a idéia de passar um semestre com a namorada distante, em alto-mar, a pediu em casamento. "Abandonei a faculdade, o barco, tudo", conta ela, que só então entrou no mundo da moda.

 


Ari e sua família eram donos de duas fábricas na França, especializadas em camisas femininas, mas estavam perdendo clientes importantes por causa do alto custo da mão-de-obra especializada local. "Um dia, na casa da minha sogra, estava a família inteira reunida pensando em como fazer para o negócio parar de perder dinheiro. Tive a idéia de desenhar uma coleção própria, mas não sabia nem por onde começar. Então minha sogra me levou até o sótão para mostrar o que a fábrica já tinha feito, e ela tinha guardado exatamente uma camisa branca de cada coleção. Quando vi aquilo, me inspirei na hora e decidi fazer uma coleção só de camisas brancas femininas muito luxuosas."

 


A primeira leva tinha 30 peças e já chegou ao mercado com o nome da criadora, que desenhou os modelos com a ajuda das funcionárias da fábrica. "Aprendi a desenhar as peças na raça, a cada coleção ia melhorando um pouco. Hoje sei fazer molde, costurar, faço colarinhos, pulso, pregas, acabamento, tudo." Ela aponta para a calça que veste: "Eu que fiz, mas só para mim, não tem para vender". Em 1994, um ano depois da estréia da linha, Anne e Ari decidiram abrir a primeira loja, bem pequenininha, mas em um endereço fino da Rive Gauche, em Paris. "Desde o começo, quis que a marca fosse associada a camisas brancas e ao luxo. Sempre fiz camisas pretas também. Só não mostrava, deixava na gaveta para o caso de alguma cliente pedir."

 


Hoje, o preto é quase a cor dominante nas lojas da brasileira. Mas uma arara com camisas brancas está sempre em lugar de destaque. "Uma camisa branca clássica dura para sempre e tem pelo menos dez jeitos diferentes de usar", ensina. "Pode ser casual ou muito chique, dependendo dos acessórios e do que está em volta da camisa." E é justamente o que está em volta da camisa a nova paixão de Anne: ela passou a desenhar jaquetas, cintos, bijuterias, bolsas e vestidos, que ela diz serem apenas "camisas que se alongaram". Para essas novas criações, contratou uma fábrica na Itália. "Procurei muito na França, sei que meus clientes gostam de ver a etiqueta escrita "made in France", mas não há lugar melhor para acessórios que a Itália."

 


Mas foi na loja em que tudo começou que a primeira cliente famosa comprou uma peça sua. Foi a atriz e ex-modelo Andie MacDowell. Hoje a lista de celebridades que têm uma peça Anne Fontaine no guarda-roupa é quase tão longa quanto a lista de cidades em que há uma loja da grife. "A última que eu sei que comprou uma peça minha foi a Brooke Shields. Ela estava aqui nesta loja da última vez que eu vim, dei de cara com ela pagando por uma peça."

 


Sim, as celebridades pagam tudo o que levam da loja. Uma camisa branca Anne Fontaine custa entre US$ 180 e US$ 400 (entre R$ 423 e R$ 940). Quem mais compra? "Laetitia Casta, Vanessa Paradis, Carla Bruni, Oprah Winfrey, Sharon Stone. Até a Britney Spears comprou uma camisa minha outro dia."

 


No Brasil, uma única loja revende algumas peças da estilista, no shopping Leblon, no Rio. Mas Anne e Ari vêm ao país nesta semana para estudar a oferta de um shopping novo de São Paulo que os convidou para conhecer o espaço e tentar convencer a dupla de que há mercado para uma grife como a dela na cidade. "Dizer para um empresário francês que você quer abrir uma loja em um shopping soa muito mal, para ele significa que a marca não é chique o suficiente para ter uma loja em um endereço de luxo. Mas os empresários desse shopping disseram que eu e meu marido vamos gostar do que vamos ver, então decidimos dar uma olhada", justifica.

 


Do alto de seu 1,79 m, somado a mais quase dez centímetros de salto, Anne conta que não trouxe suas criações para o país antes porque sempre ouviu dizer que as brasileiras ricas compram suas roupas nas viagens constantes que fazem para a Europa e os Estados Unidos. "Mas lá [no Brasil] dá para fazer aquelas coisas de dividir o preço em várias prestações, então talvez dê certo mesmo."

 


Ela diz notar diferenças entre o jeito das brasileiras e das francesas se vestirem. "As brasileiras gostam muito de parecer garotinhas. As francesas são mais chiques, elegantes. Na França, as mulheres acham sexy ser adultas, não sentem necessidade de se vestir sempre como se tivessem 20 anos."

 


Quando viaja ao Brasil, Anne leva uma mala vazia, que volta invariavelmente cheia de sacos e sacos de tapioca e feijão preto. "Adoro. Assim que piso no Rio, mando alguém no mercado comprar para mim. Não posso viver sem." Seu marido insiste que a estilista não influencie as duas filhas, Clara, de nove anos, e Ella, de quatro anos, para seguirem o negócio da família. "Mas meu sonho é ver as duas trabalhando comigo no meu ateliê. Quando Ari não está por perto, peço para a mais velha desenhar uma peça para eu ver. Ela leva o maior jeito."


Texto Anterior: Horário nobre na TV aberta
Próximo Texto: Cotas dividem canais e produtoras
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.