São Paulo, domingo, 21 de dezembro de 2008

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Crítica/"Braços Cruzados Máquinas Paradas"

Filme registra movimento grevista de 1978 em pleno olho do furacão

Documentário impressiona pelas imagens de trabalhadores e discursos

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Roberto Gervitz ("Feliz Ano Velho", "Jogo Subterrâneo") e Sérgio Toledo ("Vera") tinham pouco mais de 20 anos e eram universitários de classe média quando fizeram o documentário "Braços Cruzados Máquinas Paradas", em 1978. Inicialmente concebido para registrar a eleição para a diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, dominado havia 14 anos pelo "pelego" Joaquim dos Santos Andrade (o Joaquinzão), o filme foi colhido no olho do furacão do primeiro grande movimento grevista paulistano desde o golpe militar de 1964. Na esteira das greves metalúrgicas do ABC, cujo principal líder era um certo Lula, as fábricas de São Paulo começaram a parar por reajustes salariais, melhores condições de trabalho e liberdade sindical. Os jovens Toledo e Gervitz, excitados com o movimento, optaram por fazer de seu filme um instrumento, dando voz aos operários e seus líderes. Visto hoje, 30 anos depois, "Braços Cruzados" ainda impressiona por seu frescor e vitalidade, mas também por documentar um certo mundo operário que parece não existir mais, o das grandes massas de trabalhadores braçais operando máquinas semi-manuais. Como diz, nos extras do DVD, um dos líderes do movimento de 78, as fábricas hoje "parecem laboratórios", onde "se bobear os operários trabalham de terno". Como os cineastas estavam envolvidos de corpo e alma na luta da oposição para reconquistar o sindicato, grande parte do filme se concentra na campanha eleitoral, nas eleições fraudadas, anuladas pela Justiça e depois revalidadas pelo governo militar. Embora haja tensão no processo, é algo que hoje soa distante e datado.

Filme de amor
O que fica de mais precioso são as imagens dos trabalhadores nas fábricas, nos ônibus e trens, nas moradias precárias. A fala dos não-militantes são quase sempre mais interessantes do que a dos sindicalistas. Uma operária diz, indignada, na porta de uma fábrica: "Não é à toa que tem cada vez mais ladrão e gente pedindo esmola. Vale mais roubar ou mendigar do que acordar às três da madrugada para trabalhar na Philco e ganhar uma porcaria". A câmera de Aloysio Raulino capta com extrema sensibilidade o balé de rostos e corpos que pela primeira vez se viam como atores da história, e não apenas como vítimas ou espectadores. Nos extras, além de entrevistas de Gervitz e Raulino, o destaque são os depoimentos de cinco líderes das greves de 78, três décadas depois. Ao se rever na tela e contextualizar o movimento, eles dão uma demonstração de lucidez, coerência e alegria que chega a comover. Um deles diz a certa altura a palavra "amor" para definir o que os une. Para além da política, Gervitz e Toledo fizeram isso mesmo: um filme de amor.


BRAÇOS CRUZADOS MÁQUINAS PARADAS
Lançamento: VideoFilmes
Quanto: R$ 45, em média
Classificação: livre
Avaliação: ótimo




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