|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Análise
Diretor não abriu mão de princípios
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
A carreira de Altman em
Hollywood foi um sobe e desce
parecido com montanha-russa.
E muito "Bonanza", muito filminho ele dirigiu até que pudesse fazer, com "Mash", a mais
perfeita comédia sobre o Vietnã (a ação se ambienta na Guerra da Coreia, mas em 1970 ninguém nem lembrava que ela
havia existido).
O tom anárquico e o humor
corrosivo pareciam uma resposta adequada ao morticínio
em que os EUA estavam envolvidos e pouca gente entendia
por quê. De uma hora para outra, Robert Altman tornou-se
um nome ilustre e, entre outras, acabou indicado para o
Oscar de melhor direção.
Nem por isso o diretor abriu
mão de seus princípios. Os anos
seguintes mostraram que seus
filmes eram capazes de obter
algum sucesso residual (proveniente de "Mash") e oferecer
aos espectadores enigmas a decifrar, como "Voar É com os
Pássaros" (1970). Mesmo filmes de gênero, como o faroeste
"Onde os Homens São Homens" (1971), desviavam-se da
norma e das convenções partilhadas pelos espectadores.
Fosse qual fosse a dificuldade
proposta, não se punha em dúvida o interesse de filmes como
"Jogando com a Sorte" (1974,
no mais uma agradável comédia), "Nashville" (1976), "Três
Mulheres" (1977) ou "Cerimônia de Casamento" (1978). Mas
havia aí uma sequência inquietante de filmes ora intelectuais
demais, ora estranhos demais,
ora áridos demais. Assim, mesmo quando fazia um filme com
maior apelo comercial, como o
simpático "Popeye" (1980), a
resposta tendia a ser fria.
Isso até que, em 1992, Altman descrevesse com traços
ácidos a figura de um produtor
de cinema da nova geração, em
"O Jogador". Foi com esse filme de humor feliz, mas ostensivamente hostil ao establishment, que Altman voltou a cair
nas graças do establishment e a
ganhar a liberdade de que desfrutou até o final da carreira para fazer filmes fragmentários,
como "Short Cuts" (1993),
avessos à moda (em mais de um
sentido), como "Prêt-à-Porter"
(1994), de um anticomercialismo aberto, como "De Corpo e
Alma" (2003), até terminar
seus dias falando nostalgicamente do fim melancólico de
um programa de rádio, em "A
Última Noite" (2006).
Talvez Altman pensasse então no fim do cinema. Do cinema como ato de liberdade feito
em liberdade, em todo do caso.
Ou seja, do seu cinema.
Texto Anterior: Frase Próximo Texto: Exposição faz balanço de salão de arte na Bahia Índice
|