São Paulo, segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

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Análise

Diretor não abriu mão de princípios

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

A carreira de Altman em Hollywood foi um sobe e desce parecido com montanha-russa. E muito "Bonanza", muito filminho ele dirigiu até que pudesse fazer, com "Mash", a mais perfeita comédia sobre o Vietnã (a ação se ambienta na Guerra da Coreia, mas em 1970 ninguém nem lembrava que ela havia existido).
O tom anárquico e o humor corrosivo pareciam uma resposta adequada ao morticínio em que os EUA estavam envolvidos e pouca gente entendia por quê. De uma hora para outra, Robert Altman tornou-se um nome ilustre e, entre outras, acabou indicado para o Oscar de melhor direção.
Nem por isso o diretor abriu mão de seus princípios. Os anos seguintes mostraram que seus filmes eram capazes de obter algum sucesso residual (proveniente de "Mash") e oferecer aos espectadores enigmas a decifrar, como "Voar É com os Pássaros" (1970). Mesmo filmes de gênero, como o faroeste "Onde os Homens São Homens" (1971), desviavam-se da norma e das convenções partilhadas pelos espectadores.
Fosse qual fosse a dificuldade proposta, não se punha em dúvida o interesse de filmes como "Jogando com a Sorte" (1974, no mais uma agradável comédia), "Nashville" (1976), "Três Mulheres" (1977) ou "Cerimônia de Casamento" (1978). Mas havia aí uma sequência inquietante de filmes ora intelectuais demais, ora estranhos demais, ora áridos demais. Assim, mesmo quando fazia um filme com maior apelo comercial, como o simpático "Popeye" (1980), a resposta tendia a ser fria.
Isso até que, em 1992, Altman descrevesse com traços ácidos a figura de um produtor de cinema da nova geração, em "O Jogador". Foi com esse filme de humor feliz, mas ostensivamente hostil ao establishment, que Altman voltou a cair nas graças do establishment e a ganhar a liberdade de que desfrutou até o final da carreira para fazer filmes fragmentários, como "Short Cuts" (1993), avessos à moda (em mais de um sentido), como "Prêt-à-Porter" (1994), de um anticomercialismo aberto, como "De Corpo e Alma" (2003), até terminar seus dias falando nostalgicamente do fim melancólico de um programa de rádio, em "A Última Noite" (2006).
Talvez Altman pensasse então no fim do cinema. Do cinema como ato de liberdade feito em liberdade, em todo do caso. Ou seja, do seu cinema.

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