LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Numa "casa pobrezinha e muito pequena", o jovem José de Anchieta pegou sua pena, molhou em tinta feita à base de metais e iniciou o primeiro relatório sobre a selvagem Vila de Piratininga.
Escrita em julho de 1554, a carta retornou ontem à "casa pobrezinha", hoje o Pátio do Colégio, sob holofotes das TVs e escolta da Polícia Militar. Trata-se do original da primeira epístola redigida por Anchieta em São Paulo, a ser exposta a partir deste domingo, aniversário dos 450 anos da cidade.
Essa e outras dez correspondências do padre estão anexadas a um volume com mais de 300 documentos da Companhia de Jesus. Foram trazidas de avião do Vaticano (onde fica a sede da entidade), em caixa de madeira, pelo padre Pedro Melchert, diretor da Fundação Pátio do Colégio. Ele desembarcou ontem de manhã no aeroporto de Guarulhos e seguiu ao pátio de carro-forte. É a primeira vez que a companhia libera as relíquias para exposição. Exigiu seguro internacional, esquema de segurança e que as peças só fossem expostas no pátio, seu único representante no Brasil.
Ao chegar à "casa pobrezinha", o caixote foi aberto sob supervisão de uma perita, Maria Cristina Ribeiro dos Santos, conservadora do Museu de Arte Brasileira da Faap. "Fiquei tensa na hora. Foi um privilégio", disse ela, que teve de constatar a autenticidade e estado de conservação do material.
Ela manuseou o livro com luva plástica e o deixou aberto no relato de julho de 1554. Amarelado, o papel mostrou uma caligrafia elaborada, em linhas bem retas, com corpo miúdo como seu autor.
Um trecho, em espanhol, foi lido ontem pela historiadora Marília Bonas, do pátio. A Santo Inácio de Loyola, seu superior na companhia, Anchieta descrevia os índios e seu trabalho para catequizá-los. Como as cartas estão fixas a um livro, só poderá ser exibida uma por vez. Assim, todo sábado a perita voltará ao pátio para virar as páginas e exibir outro texto.
A mostra será aberta hoje para 450 convidados. A partir de domingo, por 120 dias, receberá o público gratuitamente. Terá elementos audiovisuais, como telão e narração de trechos na voz do ator Paulo Goulart. Toda a passagem das cartas pelo país será tema de livro e documentário, dirigido por Ugo Giorgetti. A organização está a cargo da Associação Comercial de SP, e, segundo seu presidente, Guilherme Afif Domingos, o custo ultrapassará R$ 2 mi.