São Paulo, sábado, 22 de janeiro de 2011

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Arquiteto Carlos Teixeira faz elogio a vazios urbanos

"Entre" discute possibilidades de ocupação de vãos criados pela especulação imobiliária no bairro de Buritis, em Belo Horizonte

SILAS MARTÍ
DE SÃO PAULO

Debaixo de prédios equilibrados sobre palafitas na zona sul de Belo Horizonte, o arquiteto Carlos Teixeira descobriu uma beleza estranha.
"Esse lugar é um labirinto de proporções colossais", diz Teixeira em entrevista à Folha. "É um tipo de arquitetura mal acomodada nos terrenos, não existe por ali uma relação com a topografia."
Isso porque o terreno acidentado do bairro de Buritis, na capital mineira, não permitia a construção linear de prédios como os primeiros feitos na cidade planejada.
Arquitetos então fizeram construções sobre hastes de concreto fincadas no solo.

ESQUELETOS INVISÍVEIS
Essa onda de especulação imobiliária que ocupou o bairro nos anos 80 levou junto o surgimento de imensas áreas vazias sob os edifícios, vãos concretados que se tornaram esqueletos subterrâneos, invisíveis aos moradores dos andares de cima.
Teixeira discutiu o fenômeno urbanístico, "aberração com potencial de ocupação impressionante", num livro escrito há mais de dez anos, que chamou a atenção de artistas, dramaturgos e coreógrafos da cidade.
Agora, uma vez digerido "História do Vazio em Belo Horizonte", ele documenta os experimentos dos artistas nesses lotes vagos no livro "Entre", recém-lançado na Bienal de São Paulo, onde o arquiteto projetou um dos seis terreiros da mostra.
"É um elogio à parte da cidade não planejada, à ideia de aceitar a cidade contemporânea", resume Teixeira. "Tentava celebrar um pouco essa condição do lugar."
Nessa festa, uma série de peças de teatro e coreografias foram encenadas no subsolo dos prédios, exaltando o potencial de espaços abandonados sob os pés de tudo que circula nos edifícios.

RELAÇÃO DIALÉTICA
Nem sempre os moradores desciam andares a mais para ver de perto o que se formava de forma espontânea nas frestas da arquitetura, mas Teixeira conseguiu transformar essas ocupações efêmeras numa espécie de manifesto a favor de uma relação dialética com a arquitetura.
Não era a denúncia de construções ruins, embora também achasse de "quinta categoria" a solução encontrada ali, mas uma tentativa de transformar um problema no embrião de uma solução.
"Foi embaixo desses prédios que começou essa pesquisa, juntando urbanismo, arte urbana e cenografia", lembra o arquiteto.
"Uma das intenções era mostrar para a cidade como o desperdício também tinha uma riqueza espacial importante."
Teixeira não esconde a herança das ideias do arquiteto suíço Bernard Tschumi, que combateu ridículos do espaço construído com experimentos radicais, tipo salto com vara numa capela, corridas de bicicleta em lavanderias e até pulos de paraquedas em fossos de elevador.
Menos radical, o arquiteto mineiro levou espetáculos a zonas de exceção.
Não só o espaço embaixo dos prédios de Buritis, mas também vastos túneis abandonados da chamada ferrovia do Aço. São todas tentativas de transformar ambientes, adversos ou não, em plataformas de criação artística, algo que Teixeira não esquece quando cita outra frase de Tschumi, afirmando que a arquitetura é "a mais erótica das artes", capaz de "revelar a razão e uma experiência sensual dos espaços".

ENTRE

AUTOR Carlos Teixeira
EDITORA Instituto Cidades Criativas
QUANTO R$ 40 (380 págs.)


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